Dano extrapatrimonial

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado - Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região - Fundador da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná
Páginas20-27

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O dano extrapatrimonial constitui objeto do Título II-A, da CLT.

Dano extrapatrimonial é uma expressão mais ampla do que dano moral1 porque não só compreende este último, mas, também, quanto: a) à pessoa física, os danos à honra, à imagem, à intimidade, à liberdade de ação, à autoestima, à sexualidade, à saúde, à intimidade ao lazer e à integridade física; b) à pessoa jurídica, à imagem, à marca, ao nome, ao segredo empresarial e ao sigilo da correspondência (CLT, arts. 223-C e 223-D).

Conceitualmente, os denominados danos extrapatrimoniais se contrapõem aos danos materiais. Não nos parece, entretanto, correta a adjetivação de extrapatrimoniais conferida aos primeiros. Ora, se temos, de um lado, os danos materiais, o seu contraposto lógico são os imateriais. Para além disso, o prefixo latino extra significa fora, à margem, além de; logo, extrapatrimonial estaria a indicar que o dano está fora ou além do patrimônio da pessoa. Na verdade, o patrimônio jurídico das pessoas compreende tanto os bens materiais quanto os imateriais. No elenco destes últimos podemos mencionar, além dos indicados nos arts. 223-C e 223-D, da CLT, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem (CF, art. 5º, X).

Contudo, para que não nos acoimem de amantes da heterodoxia, poremos de lado, circunstancialmente, a nossa ressalva e passaremos a aludir, para efeito de comunicação com os leitores, a danos extrapatrimoniais.

Como diria o personagem de Graciliano Ramos, em "Vidas Secas": "Embora sofresse com a tradição, não se atrevia a modificá-la".

Os danos extrapatrimoniais podem ser cumulados com os materiais, para efeito de postulação em juízo, desde que atendidos os respectivos pressupostos legais, especialmente, o que diz da presença de ato lesivo em comum (CLT, art. 223-F).

Uma das mais recentes indenizações que têm sido objeto de pretensão deduzida no âmbito da Justiça do Trabalho, a título de danos extrapatrimoniais, diz respeito ao dano existencial. O fato de o texto dos arts. 223-C e 223-D, da CLT, não fazerem referência a essa espécie de dano (mencionada na Justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2016) não obsta a que ela possa ser objeto de reparação em juízo.

De modo geral, tem-se como dano existencial aquele que afeta o denominado "projeto de vida" da pessoa e, também, as suas relações sociais ou profissionais. Sob essa perspectiva, a jurisprudência trabalhista tem considerado como caracterizador de dano existencial o ato, entre outros, de o empregador exigir que o empregado trabalhe, de modo habitual, em horas extras, acima do limite estabelecido em lei. Valham, como corolário, estas ementas de acórdãos do TST:

"INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. JORNADA DE TRABALHO EXTENUANTE. O dano existencial consiste em espécie de dano extrapatrimonial cuja principal característica é a frustração do projeto de vida pessoal do trabalhador, impedindo a sua efetiva integração à sociedade, limitando a vida do trabalhador fora do ambiente de trabalho e o seu pleno desenvolvimento como ser humano, em decorrência da conduta ilícita do empregador. O Regional afirmou, com base nas provas coligidas aos autos, que a reclamante laborava em jornada de trabalho extenuante, chegando a trabalhar 14 dias consecutivos sem folga compensatória, laborando por diversos domingos. Indubitável que um ser humano que trabalha por um longo período sem usufruir do descanso que lhe é assegurado, constitucionalmente, tem sua vida pessoal limitada, sendo despicienda a produção de prova para atestar que a conduta da empregadora, em exigir uma jornada de trabalho deveras extenuante, viola o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, representando um aviltamento do trabalhador. O entendimento que tem prevalecido nesta Corte é de que o trabalho em sobrejornada, por si só, não configura dano existencial. Todavia, no caso, não se trata da prática de sobrelabor dentro dos limites da tolerância e nem se trata de uma conduta isolada da empregadora, mas, como afirmado pelo Regional, de conduta reiterada em que restou comprovado que a reclamante trabalhou em diversos domingos sem a devida folga compensatória, chegando a trabalhar por 14 dias sem folga, afrontando assim os direitos fundamentais do trabalhador. Precedentes. Recurso de revista conhecido e desprovido. (RR 10347420145150002, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, publicado em 13.11.2015)".

"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUBMISSÃO A JORNADA EXTENUANTE. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. O dano existencial é espécie de dano imaterial. No caso das relações de trabalho, o dano existencial ocorre quando o trabalhador sofre dano/limitações em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador, impossibilitando-o de estabelecer a prática de um

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conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas, esportivas, afetivas, familiares, etc., ou de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal. Não é qualquer conduta isolada e de curta duração, por parte do empregador, que pode ser considerada como dano existencial. Para isso, a conduta deve perdurar no tempo, sendo capaz de alterar o objetivo de vida do trabalhador, trazendo-lhe um prejuízo no âmbito de suas relações sociais. Na hipótese dos autos, embora conste que o Autor se submetia frequentemente a uma jornada de mais de 15 horas diárias, não ficou demonstrado que o Autor tenha deixado de realizar atividades em seu meio social ou tenha sido afastado do seu convívio familiar para estar à disposição do Empregador, de modo a caracterizar a ofensa aos seus direitos fundamentais. Diferentemente do entendimento do Regional, a ofensa não pode ser presumida, pois o dano existencial, ao contrário do dano moral, não é "in re ipsa", de forma a se dispensar o Autor do ônus probatório da ofensa sofrida. Não houve demonstração cabal do prejuízo, logo o Regional não observou o disposto no art. 818 da CLT, na medida em que o Reclamante não comprovou o fato constitutivo do seu direito. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - RECURSO DE REVISTA RR 14439420125150010, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DEJT 17.4.2015)".

"RECURSO DE REVISTA. DANO EXISTENCIAL. PRESSUPOSTOS. SUJEIÇÃO DO EMPREGADO A JORNADA DE TRABALHO EXTENUANTE. JORNADAS ALTERNADAS 1. A doutrina, ainda em construção, tende a conceituar o dano existencial como o dano à realização do projeto de vida em prejuízo à vida de relações. O dano existencial, pois, não se identifica com o dano moral. 2. O Direito brasileiro comporta uma visão mais ampla do dano existencial, na perspectiva do art. 186 do Código Civil, segundo o qual "aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". A norma em apreço, além do dano moral, comporta reparabilidade de qualquer outro dano imaterial causado a outrem, inclusive o dano existencial, que pode ser causado pelo empregador ao empregado, na esfera do Direito do Trabalho, em caso de lesão de direito de que derive prejuízo demonstrado à vida de relações. 3. A sobrejornada habitual e excessiva, exigida pelo empregador, em tese, tipifica dano existencial, desde que em situações extremas em que haja demonstração inequívoca do comprometimento da vida de relação. 4. A condenação ao pagamento de indenização por dano existencial não subsiste, no entanto, se a jornada de labor exigida não era sistematicamente de 15 horas de trabalho diárias, mas, sim, alternada com jornada de seis horas diárias. Robustece tal convicção, no caso, a circunstância de resultar incontroverso que o contrato de trabalho mantido entre as partes perdurou por apenas nove meses. Não se afigura razoável, assim, que nesse curto período a conduta patronal comprometeu, de forma irreparável, a realização de um suposto projeto de vida em prejuízo à vida de relações do empregado. 5. Igualmente não se reconhece dano existencial se não há demonstração de que a jornada de trabalho exigida, de alguma forma, comprometeu irremediavelmente a vida de relações do empregado, aspecto sobremodo importante para tipificar e não banalizar, em casos de jornada excessiva, pois virtualmente pode consultar aos interesses do próprio empregado a dilatação habitual da jornada. Nem sempre é a empresa que exige o trabalho extraordinário. Em situações extremas, há trabalhadores...

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