Do processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado - Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região - Fundador da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná
Páginas186-193

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Esse é o Título de que se ocupa o nupérrimo Capítulo III-A, da CLT.

Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

· Comentário

Conforme dissemos, ao comentarmos o art. 652, alínea "f", da CLT, o que, habitualmente, se tem designado de jurisdição voluntária traduz, sob a perspectiva da acribologia jurídica, um contrassenso, pois não há, aqui, atividade jurisdicional (mas, administração pública de interesses privados), nem partes (mas, interessados), nem processo (e sim, mero procedimento), nem há voluntariedade, pois a instauração do procedimento depende de iniciativa do interessado.

Convém rememorar que o vocábulo processo significa o método ou a técnica de que se utiliza o Estado para solucionar os conflitos de interesses ocorrentes entre os indivíduos ou as coletividades, ou entre uns e outros. No procedimento da homologação não há conflito, se não que convergência de interesses.

Estamos diante de uma questão instigante, apresentada pelo legislador: em um primeiro lançar de olhos, parece-nos que a norma legal em exame está a versar, efetivamente, sobre acordo extrajudicial como modalidade de negócio jurídico bilateral, sinônimo de transação ou de conciliação. Cremos, todavia, que a intenção do legislador foi A de fazer com que acordo extrajudicial substitua a assistência do sindicato no ato de rescisão contratual, que era prevista no art. 477, § 1º, da CLT.

Duas são, em essência, as razões que nos conduzem a essa inferência:

  1. o art. 5º, letra "j", da Lei n. 13.467/2017, revoga, de maneira expressa, o § 1º do art. 477, da CLT, assim como os §§ 3º e 7º, do mesmo artigo;

  2. no Relatório do Substitutivo apresentado pelo Deputado Rogério Marinho, Relator da matéria, lê-se:

    "Art. 652 e 855-B a 855-E

    Como já mencionado, uma de nossas preocupações é a de reduzir a litigiosidade das relações trabalhistas, e a forma pela qual estamos buscando implementar esse intento é o estímulo à conciliação extrajudicial .

    (...)

    Assim, estamos, por intermédio da nova redação sugerida à alínea "f" do art. 652 da CLT, conferindo competência ao Juiz do Trabalho para decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho. Em complemento, estamos incorporando um Título III-A ao Capítulo X da CLT para disciplinar o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial

    Esse ato dependerá de iniciativa conjunta dos interessados, com assistência obrigatória de advogado. Ouvido o Juiz, se a transação não visar a objetivo proibido por lei, o Juiz homologará a rescisão. A petição suspende o prazo prescricional, que voltará a correr no dia útil seguinte ao trânsito em julgado da decisão denegatória do acordo.

    Esperamos que, ao trazer expressamente para a lei a previsão de uma sistemática para homologar judicial-mente as rescisões trabalhistas, conseguiremos a almejada segurança jurídica para esses instrumentos rescisórios, reduzindo, consequentemente, o número de ações trabalhistas e o custo judicial".

    Foram expressamente revogados, portanto, os §§ 1º, 3º e 7º, do art. 477, da CLT.

    Constava do primeiro:

    "§ 1º O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social" (atual Ministério do Trabalho e Emprego).

    "§ 3º Quando não existir na localidade nenhum dos órgãos previstos neste artigo, a assistência será prestada pelo Representante do Ministério Público ou, onde houver, pelo Defensor Público e, na falta ou impedimento destes, pelo Juiz de Paz".

    E, do segundo:

    "§ 7º O ato da assistência na rescisão contatual (§§ 1º e 2º) será sem ônus para o trabalhador e empregador".

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    Em suma: revogados, expressis verbis, os §§ 1º, 3º e 7º, do art. 477, da CLT, não só a antiga "homo-logação" pelo sindicato e a assistência pelo órgão do Ministério do Trabalho (ibidem, § 1º) ou pelo representante do Ministério Público, pelo Defensor Público ou pelo Juiz de Paz (§ 3º) deixam de existir, como a rescisão contratual pode ser objeto de acordo extrajudicial, independentemente do tempo de serviço do empregado.

    O que há pouco denominamos de questão instigante se transforma, todavia, em autêntico enigma proposto pelo legislador, pois considerando-se a revogação dos §§ 1º, 3º e 7º, do art. 477, da CLT, devemos indagar a quem será submetida a assistência da rescisão contratual se o trabalhador recusar-se a realizar o acordo, ou o juiz o recusar-se a homologá-lo, conforme lhe faculta o art. 855-E, parágrafo único, da CLT?

    Nesta hipótese, a ruptura contratual prescindirá de assistência ou homologação?

    Como diria, mais uma vez, a Princesa Turandot, na ópera de Giacomo Puccini: "Nessum dorma! Nessum dorma!"- até que a solução seja encontrada. A nosso ver, doravante, o instrumento de rescisão do contrato de trabalho (TRCT) não mais se submeterá à "homologação" sindical ou à assistência pelo Ministério do Trabalho, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelo Juiz de Paz. Bastará a si, por assim dizer, circunstância que permitirá ao trabalhador alegar, quando for o caso, a existência de vício de consentimento, na assinatura desse instrumento, ou de fraude, fato que o levará a ingressar em juízo para ver atendida a sua alegação de nulidade do ato. Sendo assim, terá sido frustrado o escopo do legislador, de reduzir, "consequentemente, o número de ações trabalhistas e o custo judicial".

    Superando essa espécie de aporia interpretativa do art. 855-B, caput, da CLT, entendemos que, em termos objetivos, dissolvido o contrato de trabalho, em quaisquer de suas modalidades (extinção, rescisão, resolução, etc.), poderão ocorrer as seguintes situações no plano da realidade prática:

  3. o trabalhador não aceita firmar acordo extrajudicial

    a.a) se ele nada recebeu, poderá ir a juízo para postular a integralidade dos direitos que não foram satisfeitos pelo empregador. Neste caso, não terá dado quitação ao empregador (supõe-se);

    a.b) se ele recebeu parte dos direitos, o seu ingresso em juízo será para receber os direitos restantes. Nesta hipótese, a quitação que ele houver dado alcançará, apenas, as parcelas discriminadas no termo de rescisão contratual. Indaga-se, todavia: com vistas a isso, ele deverá fazer constar desse termo uma ressalva quanto aos direitos que não foram objeto da rescisão?

    Conquanto o tema seja controverso, entendemos que não será necessária essa ressalva. A razão que nos leva a essa conclusão decorre do fato de que, doravante, conforme dissemos, a ruptura do contrato de trabalho não se submete a mais nenhuma assistência, seja sindical, seja por parte das demais pessoas ou entidades a que se referiam os revogados §§ 1º e 3º, do art. 477, da CLT. Sendo assim, seria de rigor excessivo exigir que o trabalhador, desassistido, e muitas vezes ingênuo, devesse saber que deveria efetuar essa ressalva, sob pena de nada mais poder postular em juízo;

  4. O trabalhador firma acordo extrajudicial, que é submetido à apreciação do magistrado:

    b.a) o magistrado homologa o acordo. Por analogia ao art. 831, parágrafo único, a decisão será irrecorrível, produzindo coisa julgada material; logo, pode ser objeto de ação rescisória (TST, Súmula n. 259), e não, de ação anulatória (CPC, art. 966, § 4º);

    b.b) o magistrado não homologa o acordo, e, em consequência, o ex-empregador nada paga ao ex-empregado: restará ao trabalhador ingressar em juízo, desta feita, com ação (processo de conhecimento) para pleitear o recebimento não somente das parcelas que constaram do instrumento do acordo não homologado, se não que de todas as outras a que entenda fazer jus. A possibilidade de o juiz recusar-se a homologar o acordo está implícita na literalidade do art. 652, letra "f", da CLT: "decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial...). Destacamos. Esse ato de decidir constitui sentença (CLT, art. 855-D), que, como tal, deve ser juridicamente fundamentada, sob pena de nulidade (CF, art. 93, IX).

    Os requisitos legais para que o procedimento (e não, processo, como o legislador fez constar) da homologação do acordo extrajudicial seja instaurado são, basicamente, estes:

  5. petição conjunta, pelos interessados;

  6. representação por advogado.

    Conquanto seja compreensível a razão pela qual a norma está a exigir a representação dos interessados por advogado, não podemos deixar de reconhecer, nisso, uma certa desarmonia sistemática, pois a parte (agora, sim, parte), para promover ação (agora, sim, ação: direito subjetivo de invocar a prestação jurisdicional do Estado) não necessita de advogado, significa dizer, possui capacidade postulatória (ius postulandi), ex vi do disposto no art. 791, caput, da CLT, cuja norma está em vigor. 1

    É evidente que se o trabalhador for advogado, o caput do art. 855-B estará atendido.

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    § 1º As partes não poderão ser representadas por advogado comum.

    · Comentário

    A expressão legal "advogado comum" significa que os interessados não podem ser representados pelo mesmo advogado. Pondo à frente o sentido teleológico da norma, podemos afirmar que ela também veda a representação por advogados diversos, mas integrantes do mesmo escritório de advocacia. Não cremos, todavia, que o desrespeito a essa proibição legal possa configurar o crime de patrocínio infiel, previsto no art. 355, do Código Penal: "Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado: Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa. Patrocínio simultâneo ou tergiversação. Parágrafo único - Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias". Assim entendemos, porque não basta que o advogado esteja a...

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