Revelia

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado - Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região - Fundador da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná
Páginas165-171

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§ 4º A revelia não produz o efeito mencionado no caput se:

- havendo pluralidade de reclamados, algum deles contestar a ação;

- o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

- a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

- as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

· Comentário

  1. Escorço histórico

    Uma das fórmulas adotadas pelo direito português anteceden te ao período das Ordenações reinóis para fazer com que o revel comparecesse a juízo foi permitir que o autor se imitisse na posse dos bens daquele. Esse procedimento se inspirou, sem dúvida, no direito barbárico, ao qual repugnava a revelia, motivo por que se o réu deixasse de atender à citação deveria ser severamente punido.

    Com o advento das Ordenações reinóis, alterou-se o panorama. Es tas, na linha do Direito Romano, aboliram as penalidades contra o revel e não aceitaram a confissão presumida decorrente da reve lia. Além disso, permitiram que o revel interviesse no feito no es tado em que se encontrasse, desde que não transitada em julga do a sentença. E bem verdade, contudo, que o revel "verdadeiro" não poderia recorrer da sentença condenatória. Revel "verdadeiro" era o indivíduo que deixava de comparecer a juízo, pessoalmen te ou por intermédio de procurador, sem que houvesse motivo plau sível para a sua ausência ou contumácia.

    De modo geral, o Direito Brasileiro, desde o período imperial até grande parte do republicano, adotou o sistema vigente em Por tugal, quanto à revelia. Fundamentalmente, a alteração que os nossos textos legais da época introduziram na matéria consistiu na eli minação do veto à possibilidade de o revel "verdadeiro" poder re correr da sentença.

    O primeiro Código unitário de processo civil que o país conhe ceu (1939) não disciplinou a revelia, limitando-se a declarar que era considerado revelo citado que não apresentasse defesa no prazo legal, contra o qual correriam os prazos, independentemente da in timação ou notificação (art. 34, caput), e que ele poderia intervir no processo, qualquer que fosse a fase em que este se encontrasse (par. único). Nada mais do que isso.

    O art. 209, caput, desse Código, embora tenha sido visto por alguns estudiosos como uma ruptura com a tradição romana, des de muito seguida pelo nosso direito, de tal maneira que o réu sena sempre revel, em rigor nada tinha a ver com o tema, porquanto ape nas afirmava que "O fato alegado por uma das partes quanto a outra o não contestar, será admitido como verídico se o contrário não resultar do conjunto das provas". Essa era uma norma genérica, acerca das consequências processuais da falta de impugnação dos fatos narrados pelo autor; como tal, era insufi-ciente para abranger o universo da revelia.

    O CPC de 1973 deu um passo à frente ao regular a matéria em quatro artigos (319 a 322), pelos quais não só enunciou o princípio de que se o réu não responder à ação seriam considera dos verdadeiros os fatos alegados na petição iniciai (art. 319), co mo indicou as exceções pertinentes (art. 320), além de reiterar a re gra da imutabilidade do pedido (art. 321); de afirmar que, contra o revel, os prazos fluirão independentemente de intimação (art. 322), e de permitir que ele intervenha no feito, no estado em que se encon tre (ibidem).

    O CPC de 2015 dedicou três artigos ao tema (344 a 346), mantendo, em termos gerais, a disciplina que havia sido imposta pelo CPC de 1973.

    A CLT com seu laconismo característico, destinou um único ar tigo ao assunto: o 844, caput, cuja parte final adverte que "o não comparecimento do reclamado (sic) importara revelia, além de con fissão, quanto à matéria de fato". Não podemos deixar de reconhe cer que o essencial aí foi dito, mormente se levarmos em conta o fa to de que, à época, estava em vigor o CPC de 1939, no qual a ma téria era precariamente tratada, e, ademais, em dispositivo integran te do Título (III) que versava sobre prazos. A realidade científica e

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    prática do período não exigia que o legislador trabalhista dissesse mais do que disse. E elementar que os tempos mudaram e que, em razão disso, a disciplina da revelia, no texto da CLT, se tornou insa tisfatória, fazendo com que fosse indispensável a adoção supletiva das normas constantes do CPC.

    Idealmente, todavia, o processo do trabalho de lege ferenda de verá regular a matéria segundo as peculiaridades marcantes desse processo, como, por exemplo, dispensando a realização de deter-minados exames periciais (insalubridade), que soem acarretar um retardamento na entrega da prestação jurisdicional, além de impor, muitas vezes, ao autor, a realização de despesas, com as quais não tem condições de arcar.

    b) Conceito

    O vocábulo revel (do latim rebellis) significa, na linguagem processual, aquele que, citado (réu), deixou, sem qualquer justificativa razoável, de contestar os fatos alegados na inicial. O substantivo revelia designa, portanto, a qualidade de quem é revel.

    Sob este aspecto, há indiscutível sinonímia entre as palavras revelia e contumácia, embora alguns autores tenham procurado fazer crer que esta seria a causa daquela, ou, ainda, que a contumácia seria o gênero, do qual a revelia se apresentaria como espécie. Não nos parece, contudo, que essa tentativa de separar os conceitos de uma e de outra tenha base científica, e, mesmo, léxica. Em essência, tanto a revelia quanto a contumácia traduzem o fato caracterizado pela inexistência de resposta do réu que tenha sido citado.

    Revelia, entretanto, não é pena, conforme costumam supor, irmanadas no erro, doutrina e jurisprudência. A pena pressupõe o inadimplemento de uma obrigação, sendo certo que nenhuma norma processual moderna obriga o réu a responder à ação. O que há, quando muito, é um seu ônus nesse sentido, cuja quebra fará com que se presumam verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Nem mesmo a confissão é pena, ao contrário do que têm alardeado aqueles que não se dão ao cuidado de examinar o senso exato das palavras que utilizam. Não existe uma obrigação legal de impugnar os fatos narrados pelo adversário, mas, apenas, um dever quanto a isso.

    O que deve ser entendido, para evitar equívocos comprometedores, é que o réu tem o direito de ser regularmente citado, a fim de que, cientificado, por essa forma, da existência da ação, possa fazer uso da faculdade de se defender. Por outros termos: o direito de ampla defesa lhe é constitucionalmente assegurado, conquanto o efetivo exercício desse direito entre no seu livre arbítrio. É verdade que se o réu deixar de responder à ação, sem justificativa razoável, sofrerá as consequências processuais de sua incúria, que, como sabemos, consistirão na presunção de veracidade dos fatos descritos na peça inicial.

    Do quanto expusemos até esta parte, podemos formular, sem rebuços, o seguinte conceito de revelia: é a ausência injustificada de contestação do réu, que tenha sido regularmente citado. Aí estão, a nosso ver, os elementos essenciais do conceito, agora mencionados em outra ordem: a) citação do réu;

  2. ausência de contestação; c) inexistência de justificativa legal desse silêncio.

    Nem toda ausência de resposta configura revelia. Lembremos que essas respostas compreendem, no processo do trabalho, as exceções, a contestação e a reconvenção. Se o réu deixar, digamos, de excepcionar o juízo, por certo não será revel. A revelia emana, exclusivamente, da falta de contestação.

    Como a revelia, enquanto fato processual, espelha a ausência de contestação do réu à ação ajuizada pelo adversário, o que ao réu incumbirá, caso se sinta seguro para comprovar os motivos pelos quais deixou de responder, será procurar elidir esse estado, ou seja, a revelia, perante o tribunal, com objetivo de ver assegurado o seu direito de apresentar, no juízo de primeiro grau, a resposta que desejar.

    Por esse motivo, incidirá em erro o réu toda vez que, ao interpor recurso ordinário da sentença condenatória proferida à sua revelia, procurar discutir o mérito da causa. Se isso fosse possível, estaria sendo suprimido um grau de jurisdição, levando-se em conta o fato de o réu não haver impugnado o mérito em primeiro grau. Portanto, no caso de revelia, o recurso que vier a ser interposto pelo réu deverá estar circunscrito à elisão do seu estado de revelia, para que ele possa oferecer, no juízo a quo, contestação.

    c) O § 4º, do art. 844, da CLT

    O § 4º, do art. 844, da CLT, constitui reprodução literal do art. 345, do CPC.

    A revelia é fato processual, motivado pela ausência injustificada de contestação, no prazo legal. O seu efeito, por excelência, é a presunção de veracidade dos fatos narrados na petição inicial (CLT, art. 844, caput, parte final; CLT, art. 344).

    O § 4º do art. 844, da CLT, indica as situações em que não ocorrerão os efeitos da revelia. Passemos a comentá-las.

    Inciso I - Pluralidade de réus. O inciso em exame não tem o alcance que a sua expressão literal faz supor. Somente no regime litisconsorcial do tipo unitário é que a...

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