Ônus da prova

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado - Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região - Fundador da Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do Paraná
Páginas112-122

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Art. 818. O ônus da prova incumbe:

· Justificativa do Projeto de Lei n. 6.787/2016:

"A CLT prevê que o ônus da prova cabe à parte que fizer as alegações. Essa regra, no entanto, mostra-se ultrapassada quanto aos princípios relativos, especialmente, à aptidão para produzi-la. Assim, estamos importando parte dos dispositivos vigentes no novo CPC sobre o tema. E aqui cabe ressaltar que o próprio TST já decidiu, por intermédio da Instrução Normativa n. 39, de 2016, que "aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas", incluindo, expressamente, o art. 373 e seus §§ 1º e 2º.

Essa medida iguala o tratamento que deve ser dado às partes na produção de provas e elimina a omissão da CLT quanto ao tema, tal como referido na Instrução Normativa do TST, além de conferir garantias para que as partes não sejam prejudicadas com essa inversão, prevendo prazo para que a inversão seja feita e impedindo-a quando ficar caracterizada a impossibilidade de produção da prova.

Nesse sentido, foram acatadas as Emendas 611, do Deputado Celso Maldaner (PMDB/SC), e 632, do Deputado José Carlos Aleluia (DEM/BA).

· Comentário Introdução

A preocupação doutrinária em estabelecer um critério preciso para a partição do ônus da prova entre os litigantes remonta a épocas priscas. Na antiguidade, Aulus Gellius (Noctes Att icae, Livro XIV, Cap. II), inspirando-se em seu mestre, o filósofo Favorinus (apoiado nos ensinamentos de Catão), afirmava que se as provas produzidas não convencessem, dever-se-ia decidir a favor do litigante mais probo; na hipótese de ambos possuírem a mesma reputação, a decisão deveria propender em favor do réu. Tratava-se, como se vê, de um critério de natureza complementar (somente incidiria se a prova não fosse suasória), que se assentava na honorabilidade das partes. O subjetivismo e o caráter discriminatório de que era provido, contudo, revela a falibilidade desse critério.

Foi no Direito Romano que se concebeu a regra semper onus probandi ei incumbit qui dicit, ou semper necessitas probandi incumbit illi qui agit (o ônus da prova incumbe a quem afirma ou age). Assim se dispôs porque quem por primeiro ingressava em juízo era o autor; consequentemente, como era ele quem afirmava, o onus probandi lhe era atribuído (actori incumbit onus probandi). Desse modo, o encargo da prova não se transferia ao réu, mesmo que negasse os fatos alegados pelo autor (ei incumbit probatio qui dicit, non negat: Paulus, "Digesto", Livro XXII, Título III, de probationibus et praesumptionibus, fragmento n. 2). Não era correta, todavia, essa construção doutrinária porque, em determinados casos, a alegação feita pelo réu envolvia um fato capaz de modificar, impedir ou extinguir o direito do autor. Reconheceu-se, então, que a resposta do réu continha (ou poderia conter) também uma afirmação; daí por que a ele se atribuiu o ônus da prova sempre que isto ocorresse, erigindo-se, em seguida, a regra reus in excipiendo fit actor, que Ulpiano (Digesto, Livro XLIV, Título l, de exceptionibus, fragmento n. 1) assim enunciou: reus in exceptione actor est. Esclareça-se que a exceptione (exceção) referida no texto de Ulpiano correspondia à atual defesa.

Posteriormente, os glosadores, manuseando os textos romanos e baseados em Paulus (Digesto, Livro XXII, Título III, fragmento n. 2), elaboraram um sistema de distribuição da carga probatória calcado em duas regras fundamentais: afirmanti non neganti incumbit probatio ("a quem afirma, não a quem nega, incumbe o ônus da prova") e negativa non sunt probanda ("não se provam os fatos negativos"). A partir daí, empenhou-se equivocadamente a doutrina em pôr à frente, na elaboração de critérios voltados à distribuição desse ônus, se a prova era positiva ou negativa, pois se sustentava ser impossível a segunda. Essa atitude constitui a grande característica do Direito medieval, que se infiltrou em parte no Direito português antigo e acabou por repercutir no próprio Código de Processo Civil brasileiro, de 1939, em cujo art. 209, § 1º, se estatuía: "Se o réu, na contestação, negar o fato alegado pelo autor, a este incumbirá o ônus da prova".

Esses princípios se fizeram mais rigorosos na Idade Média debido al procedimiento esencialmente inquisitorial que privo en aquélla, en este sentido, terrible época de Ia humanidad. Los princípios tradicionales invocados perfeccionados se aplicaban en Ia obscuridad de Ia clandestinidad, no en ei debate público y contradictorio y sobre princípios de igualdad, sino en Ia penumbra, en

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Ia obscuridad y en el secreto apenas alumbrado por Ias lúgubres y terribles velas del Santo Oficio, en donde el poderoso aplastaba al débil (Porrás López, (ob. cit., p. 249)

A propósito dos métodos de inquisição medieval, das pessoas acusadas de heresia, sugerimos a leitura do livro "Manual dos Inquisidores", de Nicolau Eymerich, escrito em 1376 (2. ed. Brasília: Rosa dos Tempos, 1993).

A afirmação, porém, de que o fato negativo não se prova é inexata, ao menos como regra geral. Há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa, conforme veremos em item específico, mais adiante. Antecipe-se, contudo, que o princípio de que a negativa não se prova só prospera quando se trata de negativa indefinida, exatamente porque aí a impraticabilidade da prova reside não na negatividade, mas sim na indefinição do que a parte alegou. Acertadamente, pois, a doutrina passou a extrair outra interpretação dos textos romanos mais consentânea com a nova tendência concluindo por estabelecer que o ônus da prova incumbia ao autor. Tal regra, todavia, não era absoluta, pois ao réu se deslocava esse encargo toda vez que, a par de negar a situação jurídica narrada pelo autor, a ele opusesse uma outra, visto que réus in exceptione actore est, como afirmava Ulpiano. E foi sob essa nova orientação que se edificou a teoria clássica do encargo da prova, segundo a qual "incumbe o ônus da prova àquela das partes que alega a existência ou inexistência de um fato do qual pretenda induzir uma relação de direito" (SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas, p. 305).

Entre os autores que contribuíram para a construção dessa teoria se encontram Lessona, Mattirolo, Ricci, Garsonnet Et Bru, João Monteiro e outros, conquanto, ao longo dos anos, novas correntes de pensamento se formaram como resultado das interpretações idiossincráticas dos textos romanos, v. g., as lideradas por Bentham, Webber, Bethmann--Hollweg, Fltting, Gianturco, Demogue - apenas para nomear alguns.

Bentham, por exemplo, entendia que a questão relacionada ao onus probandi deveria ficar reservada ao exame de cada caso concreto, quer dizer, provaria a parte a quem fosse mais fácil e menos dispendioso o atendimento a esse ônus; Bethmann, por sua vez, asseverava que o encargo incumbiria sempre ao réu, cujo pensamento o ilustre jurista fazia estribar no próprio Direito germânico, de acordo com o qual o autor não litigava em tutela do seu direito, e sim para fazer cessar a injustiça proveniente da parte contrária. Assim também Heinrich Beck (Die Beweis-last, apud MIRANDA, Pontes de. Comentários ao CPC, p. 326). Declareuil (apud CIRIGLIANO, Raphael, op. cit, p. 38), de maneira algo peculiar, entendia que todas as teorias construídas a respeito do tema eram imaginosas, destituídas de fundamentos históricos e destrutíveis pela lógica; daí por que, em seu ver, o princípio assente de que provar compete sempre ao réu é falso, quer se considere a prova um encargo ou um favor; para o referido jurista, em consequência, a prova incumbe àquele que é fraco. Comumente, o mais fraco é o que é acusado pelo mais forte, embora em alguns casos possa ocorrer o oposto; diante disso, sendo mais forte o acusado, este constrangerá, mesmo sendo réu, o adversário a provar.

Segundo Bar e Laband, o ônus da prova não deveria ser fixado em leis, mas imposto pelo juiz ao litigante que oferecesse melhores argumentos, ou parecesse, à primeira vista, estar com a razão; esse sistema, como se constata, caracterizava-se pelo arbítrio do magistrado, que, em certos casos, tinha mesmo de prejulgar para poder impor o encargo da prova à parte que lhe parecesse estar com a razão. Dentro desse caleidoscópio doutrinário podemos mencionar, ainda, Unger (apud BATALHA, Campos, ob. cit., p. 489), para quem o ônus da prova não deveria ser atribuído, por princípio, a nenhum dos litigantes, porquanto, partindo-se do pressuposto da igualdade entre eles, venceria quem houvesse produzido a melhor prova. João Monteiro (ibidem, p. 490) proclamava que esse encargo recaía sobre a parte que alegasse determinados fatos em juízo, para deles deduzir algum direito, embora admitisse as regras estabelecidas por Lessona, no sentido de que: a) o ônus não é determinado com vistas à qualidade do fato probando, mas pela qualidade jurídica que, na ação, possui aquele que o invoca; b) ao autor compete provar o fundamento da ação, assim como, ao réu, o da defesa.

a) A moderna concepção doutrinária

Podemos dizer que, ressalvadas pequenas dissenções secundárias, a doutrina moderna a propósito da partição do ônus da prova se concentra em Chiovenda, que atribuiu ao autor o encargo de provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu os fatos capazes de modificar, impedir ou extinguir o direito daquele. São do notável jurista as palavras: "o ônus de afirmar e provar se reparte entre os litigantes, no sentido de que é deixado à iniciativa de cada um deles provar os fatos que deseja sejam considerados pelo Juiz, isto é, os fatos que tenham interesse sejam por este tidos como verdadeiros" (apud SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas, p. 306).

Para Chiovenda os fatos constitutivos são os que dão vida a uma vontade concreta da lei e à expectativa de um bem por parte de determinada pessoa; os extintivos são, em sentido contrário, os que fazem cessar a vontade concreta da lei e a consequente expectativa de um...

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