Estabilidade por acidente ou doença ocupacional

AutorRaimundo Canuto
Páginas103-121

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Uma concessão de estabilidade no emprego com reintegração do demitido ao serviço, através de ação judicial, parece procedimento simples, mas não é tão simples quanto parece. A divergência de entendimentos surge tanto no julgamento quanto na liquidação processual. Vamos comentar as dúvidas e as divergências item por item..

Sobre a estabilidade no emprego por acidente ou doença ocupacional, os pontos mais polêmicos que aparecem nas ações trabalhistas referem-se às seguintes questões:

• Anulação integral da rescisão e continuidade contratual

• Pagamento de salários e outras verbas do período entre a dispensa e a reintegração.

• Desconto de valores pagos na rescisão contratual.

• Estabilidade de trabalhador readaptado, em decorrência de acidente no trabalho.

10. 1 Anulação integral da rescisão e continuidade contratual

Em regra geral, quando o juiz concede estabilidade a um reclamante e condena a reclamada a reintegrá-lo, o próprio julgador deixa expresso na Sentença que a rescisão contratual deve ser considerada nula. Isso é um procedimento óbvio, porque, se a despedida é tida como indevida e é declarado o direito de reintegração do reclamante ao emprego, a rescisão contratual perde efeito e, por consequência, torna-se nula. Só que essa situação não constitui regra geral. Muitos juízes, ao decidirem pela concessão da estabilidade e reintegração, levam em conta, também, o tempo em que o autor demorou para ajuizar a reclamação. Vamos ver um texto relativo a um processo ajuizado em 21/08/97, cuja demissão do autor ocorrera em 21/08/95.

Ex positis, decide a 4ª Junta de Conciliação e Julgamento de São José dos Campos julgar parcialmente procedente a reclamatória trabalhista, condenando a reclamada a readmitir o reclamante (com efeitos retroativos

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a 21/08/97) e a pagar-lhe, dentro de cinco dias após a decisão homologatória dos cálculos de liquidação, os seguintes títulos (calculados sobre o último salário do reclamante mais eventuais reajustes salariais da categoria meta-lúrgica no período): 1) salários vencidos e vincendos de 21/08/97 até o efetivo retorno ao labor; 2) consectários trabalhistas desde 21/08/97, a saber: férias + 1/3, trezenos (vencidos e proporcionais) e FGTS (8% sobre os salários vencidos e vincendos e sobre trezenos; não sobre férias indenizadas) a ser depositado na conta vinculada do reclamante. Deverá a reclamada proceder as devidas anotações na CTPS do reclamante (admissão 21/08/97), sob pena de que se faça em Secretaria (art. 39, parágrafo I, CLT).

Percebemos que, nesse caso enfocado, o reclamante demorou dois anos para reclamar seu direito de estabilidade. Por uma questão de horas ele escapou da prescrição. Isso pode ser uma manobra de interesse pessoal por parte do reclamante. Se o juiz lhe concedesse a estabilidade com pagamento de salários desde a data da despedida, ele seria muito beneficiado às custas da reclamada, porque receberia salário e consectários de dois anos antes da reclamação e mais salários e consectários do período posterior, até final do processo. Então, para ser justo, o juiz concedeu a estabilidade, mas não anulou a rescisão contratual havida. Determinou o ilustre magistrado o processamento de um novo contrato de trabalho com início exatamente na data da reclamação feita e pagamento de salários também somente a partir da data do ajuizamento da ação.

Foram corretas as condições adotadas pelo juiz no caso acima citado? Essa é uma pergunta que muitos já fizeram. Uns acham que o juiz julgou a lide de forma corretíssima. Outros acham que esse não é um procedimento absolutamente certo para o caso, porque, se a estabilidade foi concedida e o reclamante ganhou direito a voltar ao emprego, não poderia haver interrupção contratual. Dizem, ainda, que, embora o reclamante tenha demorado tanto tempo para fazer a reclamação, ele o fez dentro do período cabível por direito.

Sabemos que não é tão raro trabalhadores demitidos reclamarem seu direito à estabilidade e reintegração depois de muito tempo após

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a demissão. Percebemos que quando a diferença de tempo entre a demissão e o ajuizamento passa de seis meses, havendo deferimento dos pedidos, os juízes costumam limitar o pagamento dos salários a partir da data do ajuizamento. Vejamos agora outro texto, copiado de um processo.

No que tange ao pedido de pagamento de salários, delimita-se a percepção a partir do ajuizamento da presente reclamatória, porque o reclamante esperou mais de seis meses para propô-la. Urge ressaltar que o direito à estabilidade não é irrenunciável, e se o detentor não quis antes ver seu direito garantido, não é o judiciário que irá obrigar alguém a fazer alguma coisa que não queira. Houve renúncia ou suspensão temporária do direito e somente a partir da data da propositura da medida de insurgência é que podem ser devidos os salários pretendidos, a fim de evitar-se o enriquecimento sem causa por parte do reclamante, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico.

Pois bem, vimos que, nesse outro caso, o juiz não fez a interrupção do contrato de trabalho do reclamante, mantendo-o válido desde a admissão. Apenas condicionou o início da percepção dos salários à data da propositura da ação. A rescisão contratual foi anulada. Esse tipo de procedimento também não se constitui em regra geral. A variação de critério para deferimento dos pedidos está baseada na situação processual e no entendimento de cada juiz.

10. 2 Pagamento de salários e outras verbas do período entre a dispensa e a reintegração

Nas decisões de lides por estabilidade e reintegração, os juízes costumam condenar a reclamada a reintegrar o reclamante e pagar-lhe salários e outras verbas trabalhistas a partir do dia seguinte à demissão até a efetiva reintegração. Será que é um procedimento correto? Parece uma coisa óbvia, mas essa questão tem causado dúvidas e polêmicas no processo trabalhista. Geralmente, as dúvidas relacionam-se a: 1) pagamento de férias + 1/3; 2) incorporação de verbas adicionais ao salário.

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1ª questão: pagamento de férias + 1/3

Na maioria dos julgados, referentes à estabilidade e reintegração, consta a condenação da reclamada ao pagamento de salários, 13º salários e férias + 1/3 do período de afastamento, entre a data da demissão e da reintegração. A parte reclamada no processo costuma discordar do pagamento de férias, alegando que o autor esteve fora dos serviços durante o período aquisitivo das férias. A outra parte rebate a discordância, alegando que o período, embora sem labor, é considerado como de efetivo serviço, portanto, com todos os direitos trabalhistas pertinentes, inclusive férias.

Como dito, a maioria dos juízes impõem o pagamento das férias e seu terço constitucional no período de afastamento, mas há juízes que negam a inclusão de tal verba nos haveres do autor, com base no artigo 133 da CLT. Há juízes, inclusive, que não deferem o pagamento das férias, mas deferem o pagamento do terço constitucional.

Se considerarmos que a finalidade das férias é dar descanso ao trabalhador, por que concedê-las a quem não trabalhou durante o período? Pensando assim, daremos razão à parte reclamada da ação. Para ela, o período de afastamento não gerou atividade e nem desgaste físico do reclamante. Portanto, não cabe concessão de férias. Se não cabe concessão, também não cabe pagamento. Esse talvez seja o entendimento dos juízes que negam o pagamento de férias com base no artigo 133 da CLT. Só que o artigo 133 da CLT não serve de base para a questão aqui enfocada, uma vez que seus termos não têm qualquer relação com afastamento por aquisição de direito à estabilidade.

Por outro lado, se considerarmos que a rescisão contratual do reclamante foi considerada nula por decisão judicial, temos que admitir que o período de afastamento deve mesmo ser equiparado a um período de efetivo serviço. Por tal razão, cabível considerar não só os salários, mas também as gratificações natalinas e as férias com seus respectivos terços constitucionais, mesmo que o autor não tenha prestado serviços para a reclamada durante o período.

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Em qualquer das hipóteses, o que pesa mesmo na conta não é o valor das férias, mas de seu terço constitucional, porque o valor das férias, com este título ou com o título de salário, deve preencher o espaço reservado à sua concessão em cada período cabível. Então, no mês destinado à concessão das férias, temos que colocar o valor de um salário mensal, com o título de “férias” ou com o título de “salário”. Deixar o mês em branco, sem valor algum, é que não é certo. Sendo assim, a única importância que entrará na conta como acréscimo é 1/3 do valor correspondente.

Pelo que foi exposto, até que não surja um termo legal definindo essa questão, devemos...

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