Fiança na locação de imóvel urbano

AutorMarco Aurélio Bezerra de Melo
Páginas285-305
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FIANÇA NA LOCAÇÃO DE IMÓVEL URBANO
Marco Aurélio Bezerra de Melo
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Professor Permanente
do PPGD da Universidade Estácio de Sá. Professor Titular de Direito Civil do IBMEC/
RJ e Emérito da EMERJ. Membro Fundador da Academia Brasileira de Direito Civil.
Desembargador do TJRJ.
“Eu não quero ser um expectador da mudança.
Eu quero ser um agente da mudança.”
Sylvio Capanema de Souza em palestra quando apontava
a necessidade de se reconstruir o Brasil (2019).
Sumário: 1. Nota introdutória. 2. Conceito e função. 3. Elementos essenciais. 3.1 Existência e va-
lidade da obrigação principal a garantir. 3.2 Consenso. 3.2.1 Promessa de dar ador idôneo. 3.2.2
Fiador casado. 3.2.3 Sociedade empresarial. 4. Classicação. 4.1 Interpretação restritiva. 5. Efeitos.
5.1 Benefício de ordem. 5.2 Benefício de sub-rogação. 5.3 Benefício de divisão (coança). 5.4
Subança (abonação) e retroança. 6. A ança locatícia e o bem de família do ador. 7. Extinção.
7.1 Exoneração do ador. 7.1.1 Renúncia ao direito de exoneração. 7.1.2 Retirada dos adores do
quadro societário da sociedade empresarial aançada. 7.2 Outras causas legais.
1. NOTA INTRODUTÓRIA
Ao tempo em que parabenizo a iniciativa de elaborar uma obra de locação imobiliária
urbana nos seus trinta anos de vigência em homenagem ao professor Sylvio Capanema de
Souza, agradeço aos eminentes professores organizadores por permitirem que participasse
da obra.
Homenagear Sylvio Capanema é uma oportunidade de manifestar expressamente a
profunda reverência e gratidão a esse jurista que exerceu com maestria e ética a arte de ser
humano, de ensinar, de advogar, de julgar e de proferir discursos que são inesquecíveis
para todos os que tiveram a felicidade de ouvi-lo.
Diz-se que a obediência é o consentimento da razão e a resignação é o consentimento
do coração. Sigo obediente e resignado por não contar mais com a presença física de Ca-
panema na certeza de que a sua luz e inteligência notável continua brilhando em outras
dimensões.
Considero-me um homem de sorte por tê-lo tido presente e desfrutado da sua amizade
por 26 anos ininterruptos e levo as suas lições por toda vida.
Muita saudade, querido amigo.
mArCo AUrÉLIo bEzErrA dE mELo
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2. CONCEITO E FUNÇÃO
O interesse pelo reforço e pela garantia das obrigações é muito antigo. Essa preocu-
pação já existia à época do nexum (preso, atado, vinculado) que possibilitava ao credor
submeter o corpo do devedor ou de alguém de sua família ao regime servil se a dívida não
fosse paga, quadro jurídico que f‌inda com a lex poetelia papiria em 326 a.c.1
A partir desse momento histórico, começa a se construir um novo capítulo no direito
obrigacional, no qual a sujeição passa a ser patrimonial, situação que percebemos presente
nos artigos 391 e 942 do Código Civil, os quais enfaticamente apontam que os bens do
devedor respondem pelo inadimplemento das obrigações licitamente contraídas, assim
como aquelas que decorram da ofensa ou violação do direito de outrem que geram para o
seu autor o dever de reparar o dano causado.
O direito romano conheceu e legou para a posteridade instrumentos importantes que
reforçam o cumprimento das obrigações como, por exemplo, a cláusula penal e as arras.
Esse mesmo senso prático que marca a história jurídica do povo romano, fez com que
chegasse até os dias atuais instrumentos que conferem ao credor maior possibilidade de
receber o que lhe é devido, buscando garantir o cumprimento da prestação se o devedor
não a realizar por qualquer motivo.
A f‌iança, como é concebida atualmente, decorre da sponsio e da f‌idepromissio roma-
na. A primeira acessível apenas aos cidadãos romanos e a segunda extensiva também aos
estrangeiros. Pela sponsio, de modo solene, o credor indagava ao garante: prometes dar-
-me o mesmo que o devedor prometeu? A resposta deveria ocorrer de imediato: prometo
(spondeo)2.
Em sentido amplo, o instituto que se presta a conferir maior segurança aos interesses
do credor e à própria função social do contrato principal é a garantia, também chamada
de caução, vocábulo que pode ser utilizado para indicar quaisquer das modalidades de
garantia, levadas a efeito pelo devedor, a f‌im de oferecer ao credor maior segurança no
cumprimento de alguma obrigação.3. Por tal motivo, é comum apontar-se a f‌iança como
uma caução f‌idejussória4, isto é, pessoal.
As garantias especiais do crédito se subdividem entre as que pertencem ao direito
das coisas e aquelas que são típicas do direito das obrigações.
As garantias reais positivadas no Código Civil são o penhor, a hipoteca, a alienação
f‌iduciária e a anticrese. Em tais casos, pela aderência, o valor de determinado bem do
devedor ou de terceiro f‌ica vinculado por direito real de garantia do credor ao total adim-
plemento da obrigação principal.
A garantia pessoal ou f‌idejussória mais proeminente no direito civil é o contrato aces-
sório de f‌iança, em que, por vínculo pessoal existente entre o f‌iador e o credor, obriga-se
o primeiro a adimplir determinada prestação na hipótese de o devedor não a cumprir.
1. Por todos: José Carlos Moreira Alves. Direito Romano. 6. ed. 1997, v. II, p. 7.
2. José Carlos Moreira Alves. Op. cit., p. 59-60; Ebert Chamoun. Instituições de Direito Romano. 6. ed. 1977, p. 333; Paulo
Cesar Cursino de Moura. Manual de Direito Romano. 1998, p. 293-294.
3. De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 27ª ed. 2006, p. 275; J. M. Othon Sidou. Fiança. 2000, p. 1.
4. Eduardo Espínola. Dos Contratos Nominados no Direito Brasileiro. 2002, p. 603.

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