Uma com preensão crítica das benfeitorias na locação de imóveis urbanos

AutorCristiano Chaves de Farias e Eduardo Augusto Madruga de Figueiredo Filho
Páginas253-269
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UMA COMPREENSÃO CRÍTICA
DAS BENFEITORIAS NA LOCAÇÃO
DE IMÓVEIS URBANOS
Cristiano Chaves de Farias
Professor da Faculdade Baiana de Direito. Professor do Complexo de Ensino Renato
Saraiva – CERS. Membro da Diretoria Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.
Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do
Salvador – UCSal.
Eduardo Augusto Madruga de Figueiredo Filho
Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra. Especialista em Di-
reito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa. Professor do Instituto de
Ensino Superior da Paraíba – IESP. Coordenador da Pós-Graduação do Instituto de Ensino
Superior da Paraíba – IESP. Professor do Complexo de Ensino Renato Saraiva – CERS.
Advogado sócio do Madruga, Peres & Henriques –Advogados Associados. Membro da
Associação Norte Nordeste de Professores de Processo –ANNEP. Membro da ABDPRO.
Diretor Acadêmico da Escola Superior da Advocacia – ESA-PB. Consultor Jurídico.
“Era uma casa muito engraçada;
Não tinha teto, não tinha nada;
Ninguém podia entrar nela, não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede;
Porque na casa não tinha parede;
Ninguém podia fazer pipi
Porque penico não tinha ali”.
(Vinícius de Moraes e Toquinho, A casa)1
Sumário: 1. Nota preliminar: a efemeridade da locação de imóveis e a maximização dos conitos
locatícios. 2. Uma breve mirada sobre as benfeitorias: uma tridimensionalidade nalística. 3. As
benfeitorias no contexto das relações locatícias: uma tendência natural ao litígio. 4. Cabimento e
descabimento da renúncia antecipada à indenização e retenção por benfeitorias locatícias nos con-
tratos de adesão e nos contratos paritários: necessidade de uma compreensão plural, através de um
diálogo de fontes normativas. 5. (Des)cabimento da renúncia antecipada à indenização e retenção
por benfeitorias necessárias nos contratos locatícios?: uma intepretação cooperativa à luz da boa-fé
objetiva. 6. Limites e possibilidades para o exercício do direito de retenção por benfeitorias locatícias:
achegas à luz da normatividade processual. 7. Notas conclusivas: à guisa de um arremate prospectivo.
1. Malgrado seja frequente encontrar teses indicativas de que a canção faria referências ao útero materno ou aos moradores
rua, A casa foi escrita pelo eterno Poetinha, e musicado pelo seu parceiro, com o intuito de descrever a belíssima construção
em Alto de las Ballenas, Punta del Este, a bela estância no vizinho e próspero Uruguai. É a famosa casapuebla, construída
por Carlos Villaró, a partir de 1958. Foi dedicada a Agó e Beba, f‌ilhas do criativo artista uruguaio.
CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E EDUARDO AUGUSTO MADRUGA DE FIGUEIREDO FILHO
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1. NOTA PRELIMINAR: A EFEMERIDADE DA LOCAÇÃO DE IMÓVEIS E A
MAXIMIZAÇÃO DOS CONFLITOS LOCATÍCIOS
Em um país com francas desigualdades sociais, culturais e econômicas, dúvida ine-
xiste de que o contrato de locação é uma f‌igura relevante por se apresentar como instru-
mento hábil para viabilizar o direito de moradia, promovendo, a um só tempo, o acesso
ao mínimo existencial pelo locatário e o empreendedorismo e a circulação de riquezas
em favor do locador.
De certo modo, então, é possível antever no contrato de locação um desdobramento
da função social da propriedade, uma vez que concretiza o direito à moradia e garante uma
funcionalização da propriedade.
Com essa mesma percepção, Nagib Slaib Filho prospecta não ser possível “compre-
ender a locação sem a visão social da propriedade: se a propriedade é legal (pois se trata do
poder de utilização da coisa protegido por regras jurídicas) só se legitima pelo fato de poder
o proprietário simplesmente usar e gozar a coisa , mas para que possa, o uso e gozo satisfazer
os interesses individuais de modo que não se choquem com os interesses sociais; exceder
tais limites é incorrer no auso de direito... Exercitando o direito locativo, locador e locatário
devem ter presentes, em seu espírito, que o exercício dos direitos tem conteúdo social”.2
Exatamente por isso, inclusive, a locação vai se modelando e se ajustando aos novos
movimentos do mercado imobiliário e econômico e da própria tecnologia digital. Con-
temporaneamente, por exemplo, já se vislumbra a possibilidade de celebração de locações
por meio de aplicativos, como no caso do airbnb, quinto andar, zap aluguel e do unpark,
dentre outros, se propõem, em última análise, a reinventar o jeito de morar, facilitando a
celebração do contrato, otimizando tempo e economizando dinheiro.
É a comprovação efetiva da função social subjacente ao contrato de locação de imóveis,
na medida em que permite alcançar um duplo objetivo concomitantemente: viabilizar o
direito de moradia e fazer circular riqueza.
De todo modo, é da essência da locação de imóveis – seja no formato tradicional,
seja através das possibilidades atuais com o uso da tecnologia digital – a efemeridade, a
transitoriedade. Isso porque o locatário (inquilino) pretende o uso e gozo da coisa por
um período determinado, ou determinável, com vistas a suprir as suas necessidades mo-
mentâneas. A sua pretensão, entretanto, é não precisar da locação e se tornar proprietário.
Por isso, “tal como qualquer outra posse direta, a do locatário será marcada pela
temporariedade, pois o desdobramento da posse baseia-se em relação transitória de trans-
ferência de poderes dominais”,3 como se pondera em sede doutrinária.
Vale observar, aliás, que esta efemeridade é a marca registrada da própria sociedade
contemporânea, marcada por movimentos imediatistas e passageiros. É o fenômeno
diagnosticado pelo f‌ilósofo polonês, radicado na Grã-Bretanha, Zygmunt Bauman, como
a sociedade líquida: “vivemos tempos líquidos, onde nada é para durar”4 e onde cada vez
2. SLAIB FILHO, Nagib. Comentários à nova Lei do Inquilinato, op. cit., p. 12.
3. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos, op. cit., p. 814.
4. A modernidade líquida é “um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível”
em que vivemos, traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humana”, BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a
fragilidade dos laços humanos, op. cit., p. 8.

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