Locação por temporada e as mod ernas formas de ocupação do imóvel urbano

AutorJosé Acir Lessa Giordani
Páginas347-369
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LOCAÇÃO POR TEMPORADA E AS MODERNAS
FORMAS DE OCUPAÇÃO DO IMÓVEL URBANO
José Acir Lessa Giordani
Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Professor Adjunto do Departamento
de Direito Privado na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF.
Professor Responsável da disciplina Direito do Consumidor da Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em
Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor da Escola da Magistratura do Estado
do Rio de Janeiro. Presidente do Fórum Permanente de Direito do Consumidor da Escola
da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. Desembargador no Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Sumário: 1. Introdução. Locação por temporada. 2. Compartilhamento de imóveis via plataformas
digitais – legislação aplicável. 3. Preservação do direito real de propriedade e do exercício da posse
em sua plenitude. 4. Incidência da legislação consumerista – há relação de consumo?
1. INTRODUÇÃO. LOCAÇÃO POR TEMPORADA
A locação por temporada encontra-se especif‌icamente regulamentada nos arts.48,
49 e 50 da Lei 8.245 de 1991, a Lei do inquilinato. Com regras e requisitos conf‌iguradores
bem mais f‌lexíveis que os estabelecidos na legislação anterior, Lei 6.649/79, os dispositivos
legais supracitados elencam de forma exemplif‌icativa as hipóteses de incidência dessa
modalidade locatícia, sem excluir outras porventura aplicáveis ao caso.
Dispõe o art. 48 que considera-se locação para temporada aquela destinada à residên-
cia temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde,
feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorram tão somente de determinado
tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
Observamos assim que as restrições legais no sentido de o imóvel estar situado na orla
marítima ou em estação climática, bem como em relação ao inquilino ser domiciliado em
outra cidade, estabelecidas no diploma legal revogado, não foram reinseridas na legislação
atual. Portanto, o locatário pode estar pretendendo aproveitar seu período de descanso ou
de férias, se dedicar a estudos, submeter-se a tratamento de saúde, realizar obras em seu
imóvel, aguardar a entrega do imóvel recentemente adquirido, ou qualquer outro motivo
que o conduza a residir temporariamente no imóvel, desde que pelo prazo máximo de
noventa dias. O bem pode estar mobiliado ou não, e o aluguel, bem como os encargos,
podem ser recebidos antecipadamente, ou submetidos às modalidades de garantia legal-
mente previstas (art.37).
Não havendo a desocupação do imóvel até trinta dias após o término do prazo de
noventa dias, sem oposição do locador, a referida locação se prorroga por prazo indetermi-
nado, somente podendo ser resilida unilateralmente pelo senhorio depois de trinta meses de
seu início ou nas hipóteses elencadas no art.47 do mesmo diploma legal. Esse regramento,
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insculpido nos arts.49 e 50 da Lei 8.245/91, busca manter a proposta legal da locação por
temporada, de forma a não permitir a utilização dessa modalidade locatícia legal para f‌ins de
burlar restrições previstas para a locação imobiliária em geral, como a proibição de exigên-
cia de pagamento antecipado do aluguel, estabelecido no art.20, ou da locação residencial
propriamente dita, no que diz respeito às hipóteses de retomada do bem, por exemplo.
Feitas as observações gerais relativas à locação por temporada, passamos a análise
do aspecto específ‌ico do presente estudo que está relacionado às alternativas atuais de
locação de imóveis através de plataformas virtuais de compartilhamento de imóveis, como
o caso do Airbnb, seu enquadramento ou não na modalidade de locação por temporada,
bem como as implicações sociais, econômicas e jurídicas dessas modernas formas de
ocupação do imóvel urbano.
Cabe-nos, inicialmente, fazer uma abordagem a respeito dessa modalidade de contrato
eletrônico que se realiza por meio de sítios eletrônicos ou aplicativos. Contrato eletrônico
é aquele que se realiza por meio da transmissão de dados. Como muito bem ressalta o pro-
fessor e insigne civilista, Guilherme Magalhães Martins1, o contrato eletrônico constitui
uma nova técnica de formação contratual, não alcançando um novo tipo ou uma categoria
autônoma de contrato. Esclarece muito bem o referido autor que essa técnica de formação
do contrato aplica-se a qualquer categoria de contrato, típico ou atípico, que possa ser for-
malizado por meio eletrônico. Desse modo, pode haver contrato de compra e venda, locação,
prestação de serviços ou mesmo seguro concluído por meio eletrônico.
Verif‌icamos, assim, que os contratos decorrentes da disponibilização e do compar-
tilhamento de imóveis através das plataformas digitais, como a hipótese do Airbnb, não
constituem modalidades contratuais novas, tipos contratuais novos, mas apenas uma
técnica atual de formalização das relações contratuais. Técnica, aliás, a cada dia mais
aprimorada e mais utilizada no decorrer da revolução digital que estamos vivenciando,
nos mais diversos campos, não apenas negociais, mormente em decorrência dos efeitos
proporcionados pela pandemia da covid-19, que impulsionou o mundo para uma nova
realidade que perpassa pelo ensino a distância e compartilhamento de informações por
meio de ambientes virtuais de aprendizagem, pelo desenvolvimento e crescimento de ati-
vidades negociais em diversos setores, apoio logístico, turismo, assistencialismo, saúde,
atividades públicas, administrativas, judiciárias e legislativas etc.
Assim, não restam dúvidas de que a disponibilidade temporária do exercício do uso
e gozo de determinado imóvel, mediante certa retribuição, constitui uma locação, seja a
relação contratual concretizada virtualmente, por meio de plataforma digital, ou mediante
a presença física dos contratantes. A modalidade de celebração do contrato não altera sua
essência.
2. COMPARTILHAMENTO DE IMÓVEIS VIA PLATAFORMAS DIGITAIS – LEGISLAÇÃO
APLICÁVEL
O primeiro ponto que devemos abordar, no caso, diz respeito à legislação aplicável a
essa modalidade própria de celebração da relação locatícia. Estaríamos, realmente, diante
1. MARTINS, Guilherme Magalhães. Formação dos Contratos Eletrônicos de Consumo Via Internet. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris Editora, 2010, p. 2.

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