Pro cedimentos especiais da lei do inquilinato e o código de pro cesso civil de 2015

AutorLuiz Fux
Páginas473-488
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PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
DA LEI DO INQUILINATO E O CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL DE 2015
Luiz Fux
Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Livre-Docente em Processo Civil da Faculdade de Direito da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Filosoa. Ministro e Presidente do
Supremo Tribunal Federal. Ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Sumário: 1. Uma merecida homenagem. 2. Lei de locações: dimensão processual. 3. Processo
e espécies de procedimentos: posição das ações locatícias. 4. Procedimentos especiais da lei do
inquilinato: impactos do Código de Processo Civil de 2015.
1. UMA MERECIDA HOMENAGEM
Grandes homens e mulheres são capazes de legar ao mundo contribuições atemporais,
que merecem ser revisitadas de tempos em tempos como fonte de inspiração e de sabedoria
para os nossos passos presentes e futuros. Sylvio Capanema de Souza é, estreme de dú-
vidas, uma dessas personalidades. Poucos homens públicos têm o dom de deixar marcas
positivas tão profundas na alma dos que os conhecem. Poucos juristas se perpetuam com
legado de tamanha grandeza técnica.
Capanema, carioca como eu e grande parte dos autores que prestam esta homenagem,
estudou em escola pública e, posteriormente, na Faculdade Nacional de Direito, tendo se
graduado em 1960. Após três décadas de dedicação à advocacia e à docência, com brilho
e af‌inco, notadamente no Direito Imobiliário, ingressou, pelo quinto constitucional, no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Foram muitos os aprendizados compar-
tilhados, jurídicos ou pessoais.
A propósito, a integridade de caráter e a completude de formação do homenageado
são capazes de o def‌inir. Sylvio Capanema conseguia unir – e daí seu sucesso nas salas de
aula e em palestras, nas quais comumente dividíamos a mesa, com leveza de alma – a teoria
e a prática como poucos. Prova viva disso é seu contributo decisivo na elaboração da Lei
de Locações (Lei 8.245/91), que bem poderia levar seu nome. O diploma, como cediço,
pôs f‌im a um sem número de interrogações persistentes sobre o tema, que assolavam os
particulares e o mercado, e ocupou papel de protagonismo no cotidiano forense.
Fica evidente, então, que a homenagem, cuidadosamente costurada pelos organizado-
res desta obra que reúne destacados nomes do Direito brasileiro, é merecidíssima – quiçá,
um dever moral perante o emérito professor. A comunidade jurídica jamais se esquecerá
de Sylvio Capanema de Souza.
LUIz FUx
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2. LEI DE LOCAÇÕES: DIMENSÃO PROCESSUAL1
A Lei do Inquilinato possui dois aspectos que delimitam seu campo de incidência.
O primeiro, de caráter material, aponta que o diploma regra todas as locações de imóveis
urbanos, salvo aquelas expressamente apontadas2.
Complementarmente, a Lei 8.245/91 tem um espectro muito def‌inido, na temática
das locações: pressupõe a existência de um contrato de locação válido. Desse recorte,
exsurgem, processualmente, conclusões de relevo.
Inicialmente, é evidente que apenas na hipótese de a causa petendi se inserir nesses
contornos é que o regramento procedimental próprio incidirá. Por outro lado, se a avença
é inválida ou se inexiste prévio acordo para a ocupação, as ações típicas não são cabíveis,
cabendo o recurso ao procedimento comum estatuído no diploma processual geral.
É fundamental, portanto, conhecer as ações locatícias mencionadas na legislação e
compreendê-las enquanto procedimentos especiais, em uma análise do panorama geral
do regulamento vigente.
3. PROCESSO E ESPÉCIES DE PROCEDIMENTOS: POSIÇÃO DAS AÇÕES
LOCATÍCIAS
A distinção entre o processo e o procedimento é responsável pela evolução científ‌ica
alcançada pelo direito processual3. É de sabença que a concepção procedimentalista do
1. Para amplo estudo sobre o processo e os procedimentos da Lei 8.245/91, ver: FUX, Luiz. Locações – processo e procedimentos.
5. ed. Niterói: Impetus, 2008.
2. Art. 1º A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta lei: Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código
Civil e pelas leis especiais: a) as locações: 1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas
autarquias e fundações públicas; 2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; 3.
de espaços destinados à publicidade; 4. em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles
que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar; b) o arrendamento mercantil,
em qualquer de suas modalidades.
3. Machado Guimarães, A instância e a relação processual; estudos, 1969, p. 68, nota 13. Observe-se, entretanto, que essa
origem da relação jurídica processual já se encontrava nas ideias dos juristas da Idade Média, que a desenvolveram com
fundamento no judicium romano. Assim é que Búlgaro def‌inia o judicium como “actus trium personarum: judicis, actoris
e rei”. A def‌inição medieval serviu de base à categorização do processo como relação trilateral ou triangular, como preferia
Wach, estabelecendo entre as partes e o juiz “recíprocas relações” (apud Zanzuchi, Diritto processuale civile, 1946 v. 1, p.
66). Malgrado a origem remota dessa concepção, o seu desenvolvimento deveu-se, com exclusividade, à Escola alemã,
através de Hegel, Bethaman-Holweg e Bülow, como anota Niceto-Alcalá em Proceso autocomposición y autodefensa, p.
118. Entre nós, brasileiros, a concepção da relação processual esbarrou na ideia procedimentalista da procédure francesa,
tão inf‌luente até então. Entretanto, a penetração na Itália e nos países latinos levou nossos doutrinadores ao acolhimento
do fenômeno entrevisto pela Escola alemã. Na Itália, Chiovenda assimilou nas Instituições a nova concepção de Bülow e
Kholer. No Brasil, o belíssimo estudo sobre a instância, de Machado Guimarães, revelava a adoção da concepção, seguida
por outros juristas de renome como Pontes de Miranda, Gabriel de Rezende, Luís Eulálio de Bueno Vidigal, dentre outros
contemporâneos estudiosos. Destarte, ao nos referirmos à linha divisória traçada pela Escola alemã, pretendemos distinguir
as duas épocas em que vigoravam as concepções privatísticas e as concepções publicísticas do direito processual, sendo
certo que Bülow é o marco inicial para o desenvolvimento desta, porquanto antes vigoravam as ideias de que o processo
era “complemento do direito civil ou direito civil prático” — expressão utilizada por Frederico Marques, Instituições,
v. 2, p. 76. As concepções privatísticas do contrato judicial e do quase contrato, ambas desenvolvidas a partir de uma
interpretação imanentista da litiscontestatio romana, apresentam pouquíssimos resquícios, em razão da preponderância
das normas imperativas do direito processual, onde o poder de disposição das partes é cada vez menor. Para um desenvol-
vimento mais extenso do tema, consulte-se José Alberto dos Reis, Processo ordinário e sumário, 1928; René Morel, Traité
elémentaire de procédure civile, 1932; e Paula Batista, que, mercê de sua genialidade, admitia a tese do “quase contrato”,
como se verif‌ica em Compêndio de teoria e prática do processo civil, 1935, p. 105. Pela sua importância, no grupo publicista,
merece destaque a categorização do processo como “situação jurídica”, atribuída ao grande James Goldschmidt, a quem
Calamandrei referia-se como “un maestro de deliberalismo procesal” na Revista de Derecho Procesal, v. 1, 1951, número
dedicado exclusivamente a “Estudios en memoria de James Goldschmidt”. O processo, segundo Goldschmidt, é a situação

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