Publicidade e Consumo Infantil

AutorCarolina Boari Caraciola
Páginas188-196

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1. Introdução

A consolidação da sociedade hedonista e sua incessante busca pelo prazer, oriundo do consumo e da satisfação de impulsos momentâneos, caracteriza a sociedade contemporânea, marcada pela transitoriedade, simultaneidade e flexibilidade. Esse período concentra-se na procura por experiências emocionais e sensações diferenciadas, sendo que as mudanças são percebidas como positivas, além de alternativas para se conquistar a liberdade. “A experiência excepcional é o novo estado de direito.”1

O consumo é a mola propulsora da sociedade contemporânea, que se mostra evolutiva, inovadora e multifacetada, estando alicerçada em três eixos fundamentais: o mercado, a eficácia tecnocientífica e a democracia liberal individualista2. As utopias se perderam e o tempo presente passa a ser o eixo temporal dominante. A inovação, o individualismo e o hedonismo constituem-se como características principais dessa época. A informação em tempo real, o imediatismo, a rapidez, o espetáculo e a simultaneidade criam uma era em que impera a compressão entre tempo e espaço:

Pode-se caracterizar empiricamente a “sociedade de consumo” por diferentes traços: elevação do nível de vida, abundância das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista etc. Mas, estruturalmente, é a generalização do processo de moda que a define propriamente. A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a órbita da forma moda.3

O mundo contemporâneo se mostra desencantado, efêmero, transitório, cercado de velocidade e de novos acontecimentos. Nada é eterno, o que importa é o aqui e o agora. Os indivíduos são

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ávidos por inovação, fato que corrobora com o crescimento do consumo e do descarte de mercadorias. As frustrações e os conflitos da vida cotidiana são internalizados, e o consumo surge como uma válvula de escape para esse sentimento de impotência e fracasso. O ato de consumir expressa, também, uma busca de identidade e aceitação. Nesse contexto, é possível compreender o consumo como um “[...] processo cultural ativo [...]”4, sendo que a posse de objetos reflete a personalidade de cada indivíduo, “[...] nós nos tornamos o que nós consumimos”5.

A sociedade contemporânea molda identidades que buscam, simultaneamente, a distinção do self e a integração social, fato que se reflete na procura de bens produzidos em série, que podem ser customizados, ou seja, uma possível diferenciação dentro das massas.

A tecnologia, a comunicação, os transportes, o conhecimento devem ser rápidos o suficiente para despertar interesse e serem caracterizados como novidade. O ciclo de vida dos produtos é cada vez mais reduzido, sendo as fases de pesquisa e desenvolvimento encurtadas em busca da lucratividade e inovação.

As crianças não ficam apartadas do modelo de consumo adotado na sociedade contemporânea, mas participam ativamente da aquisição de produtos para seu próprio uso ou exercendo forte influência na escolha de bens para a família, o que justifica intensos investimentos de marketing nesse público, cada vez mais independente, conhecedor de marcas e que percebe o “ter” como um passaporte de aceitação e construção de personalidade.

A partir da análise dos dispositivos legais, previstos na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente, não há dúvidas de que a criança apresenta grande vulnerabilidade em razão da falta de discernimento que apresenta por causa de sua pouca experiência de vida, o que lhe garante maior proteção e atenção por parte da sociedade, da família, bem como do Estado.

Contudo, uma questão se faz necessária: como proteger a integridade da criança na sociedade contemporânea, onde a informação é irrestrita e o consumo aparece como um mecanismo de pertencimento e constituição de personalidade?

A busca por novos nichos de mercado, a necessidade de aumentar as vendas, a constituição de uma sociedade de consumo que movimenta o sistema capitalista acabam por transformar as crianças em novos consumidores, ávidos por novidades, produtos endossados por super-heróis e um mundo de diversão e fantasia onde o consumo é o personagem principal.

2. A criança consumidora

Criança, substantivo feminino definido como: “ser humano de pouca idade, menino ou menina. Pessoa ingênua, inexperiente, infantil”6.

Em função de sua pouca idade e inexperiência, a criança goza de uma tutela específica de proteção do Estado, regulamentada pela Constituição Federal, bem como pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este último, em seu art. 2º, considera criança “[...] a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

A proteção à criança e ao adolescente, de acordo com a Carta Magna, deve ser oferecida, “[...] com absoluta prioridade [...]” (CF, art. 227), pela família, sociedade, bem como pelo Estado, assegurandolhes o direito “[...] à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (CF, art.
27). No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a proteção do menor, a fim de contribuir para com seu desenvolvimento “[...] físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (ECA, art. 4º).

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Nascidas a partir dos anos 2000, tais crianças representam a geração Z, ou nativos digitais, uma vez que já não existe diferença entre vida on line ou off line. A tecnologia é uma ferramenta indispensável para esse público, que com ela se relaciona desde seu nascimento, o que justifica domínio total de ferramentas tecnológicas e a “impossibilidade” de viver sem estas:

Ainda em fase de consolidação, a geração é conhecida como ‘Z’, porque a sua grande nuance é zapear. Zapear é um verbo utilizado para designar o ato de mudar constantemente o canal na televisão, geralmente através de um controle remoto, caracterizando o que a geração tem em comum, o ato de fazer várias coisas ao mesmo tempo.7

A geração Z é informada, multitela, multi-tarefa, realiza muitas atividades simultaneamente, é virtual, imediatista, adora comprar e apresenta baixos índices de concentração, possuindo uma gama infinita de informações sobre qualquer assunto que lhe desperte interesse. “Estamos entrando na primeira de todas as gerações verdadeiramente globalizadas.”8

Crianças autoditadas em termos de computação, mas que, por outro lado, apresentam uma dificuldade absurda de se relacionarem e se comunicarem. Constituem uma “geração silenciosa”9, sempre com fones de ouvidos, interagindo com seus aparelhos tecnológicos, escutam pouco e quase não falam, vivem em um mundo próprio, conectadas, onde o individualismo é imperativo.

Os nativos digitais comportam-se de maneira infantil e frenética, são superprotegidos, não estão acostumados a ouvir “não” e são mimados por seus pais que, muitas vezes, compensam a ausência através do consumo. O afeto é demonstrado por presentes. Desde muito cedo, tais crianças são acostumadas a ter seu sono embalado por vídeos do YouTube, a conter seu choro com joguinhos de celular, sendo motivadas a comportarem-se da maneira desejada por seus pais em troca de presentes, fazendo do consumo um mecanismo de recompensa.

As marcas, em sua maioria, são conhecidas por esse segmento consumidor, estabelecendo relações afetivas e de importância imensurável na caracterização da personalidade. Fascinadas pela novidade, o consumo representa um ato narcisista, por meio do qual a etiqueta define o pertencimento. Estratégias de comunicação são imprescindíveis nesse cenário, pois, além de consumidora, a geração Z influencia a família na decisão de compra, participando direta e indiretamente do ato de consumir:

[...] não se pode ignorar a ligação existente entre esse público [...] e as marcas. São elas que garantem a ele uma simbologia única de estilo e de bom gosto. Esse público volta-se para elas em busca de um sentido, criando um sentimento de pertencimento.10

Dessa forma, o consumo molda a identidade dessas crianças que, desde muito cedo, são impactadas por produtos que prometem completude, pertencimento e que, por meio da publicidade, introduzem o menor na ciranda da sociedade de consumo.

3. A influência da publicidade

As11 técnicas publicitárias acompanham a evolução da geração Z e apresentam-se de forma transmidiática, ou seja, estão presentes em uma série de plataformas, com o escopo de atingir a atenção de consumidores ávidos por novidades. Tais ferramentas exploram as principais características da

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geração Z na apresentação dos produtos que ofertam, utilizando uma linguagem cibernética, composta de memes, emoticons, a propaganda se fragmenta em mídias plurais, explorando os super-heróis, as celebridades do momento, além de imagens sedutoras de produtos que simbolizam contentamento, prazer e alegria, com duração que varia entre o período de sua posse até seu descarte em função de um artigo mais novo, ou mais atualizado, ou seja, um consumo contínuo, nunca satisfeito em sua totalidade:

Quando a inteligência humana descobriu que os processos de persuasão pessoal podiam ser apoiados, ou até mesmo subs-tituídos por mensagens dirigidas a um público, começou a funcionar a comunicação em massa, e especificamente o que chamamos de propaganda.12

Na contemporaneidade, a publicidade se tornou a principal ferramenta para a divulgação dos produtos ofertados no mercado, representando o elo entre os consumidores e as marcas. Além...

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