A Antropologia Forense Brasileira

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas595-657

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Introdução

A Identificação confunde-se com a própria história da humanidade.

O homem sempre necessitou identificar coisas, animais e seu semelhante.

Na verdade, diz-se que identificar é determinar a individualidade, ou é provar, por meio técnico e científico, que aquela pessoa é ela e não outra.

Não se deve confundir a identificação com o reconhecimento, que nada mais é que um procedimento empírico, baseado em conhecimento anterior, cuja base de sustentação é puramente testemunhal.

Fritz Müller, apud Luiz Silva (1936), afirmava que “O semelhante produz o semelhante, mas não o idêntico”. Cada indivíduo tem características próprias. O DNA e as impressões digitais são provas incontestáveis desse dogma.

A Bíblia diz que as impressões nas cristas papilares representam o selo de Deus colocado nas mãos dos homens: “In manu omnium hominium signat”.

Assim se aplica a frase atribuída a Demócrito: “Na realidade, não conhecemos coisa alguma por tê-la visto, pois a verdade está oculta no abismo”.

A curiosidade humana é intrínseca à sua própria natureza e existência.

No princípio, o homem conheceu os elementos básicos: a água, a terra, o fogo e o ar, e, por curiosidade, aprendeu a conviver com eles, utilizando-os em seu proveito.

Num estágio superior, começou a questionar-se, buscando conhecimento sobre seu próprio corpo.

A Antropologia, que na verdade representa o estudo do homem nos seus aspectos morfológicos, funcionais e psíquico-sociais, busca, até hoje, explicações para questões que se deparam com variáveis biotipológicas: alimentares, meteorológicas e sócio-organizacionais.

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A identificação humana não é tarefa difícil, quando se trata do indivíduo vivo ou de cadáver cronologicamente recente e íntegro.

No entanto, quando não se dispõe do esqueleto completo, mas de um grupo de ossos, de um osso isolado ou parte dele, o processo identificatório torna-se progressivamente mais difícil e, às vezes, impossível de ser realizado.

Foram os erros, os acertos e a coragem de homens como Cesare Lombroso, Aphonse Bertillon, Paul Brocca, Juan Carrea, Oscar Amoedo, e muitos outros, que viabilizaram o desenvolvimento da Antropometria.

No Brasil, inegavelmente, o Prof. Virgílio Climaco Damásio, escolhido pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, para formar a “Comissão de Estudos na Europa em 1883”, foi quem promoveu a transformação científico--cultural que deu origem à “Escola Médico-Legal da Bahia” e proporcionou, uma década depois, ao seu assistente, o jovem Raymundo Nina Rodrigues, a criação da Antropologia Brasileira, com a publicação em 1894 do seu livro “As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil”. Nina, por meio de seus discípulos Afrânio Peixoto (RJ), Oscar Freire (SP) e Augusto Lins e Silva (PE) difundiu sua escola Médico-Legal e Antropométrica para todo o Brasil. Outros nomes, como Henrique Tanner de Abreu e Luiz Silva, deram os primeiros passos da Odontologia Legal Brasileira.

É justamente nessa busca constante que a Medicina e a Odontologia Legal aliaram-se para o desenvolvimento de metodologias para o diagnóstico preciso da identificação de dados biotipológicos. Nos casos de identificação em ossadas, segmentos do esqueleto ou ossos isolados, temos dois tipos de investigação.

Primeiro, a investigação “não dirigida”, quando não há suspeitos desaparecidos. Segundo, a “dirigida”, quando há uma suspeita de que aquela ossada tenha pertencido a determinado indivíduo.

Nos casos de investigação dirigida, buscam-se também procedimentos auxiliares, como a prososcopia ou superposição de imagens, e, posteriormente, o DNA.

Nos dois tipos deve-se buscar o diagnóstico dos dados biotipológicos, começando-se por aqueles que apresentem menos variáveis: espécie, sexo, fenótipo cor da pele, idade, estatura e peso.

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Espécie

A espécie pode ser investigada mediante exames macroscópicos e microscópicos; assim podemos diferenciar a espécie humana de outros animais pelos ossos, sangue, pelos, pele, dentes, fezes e pelo DNA.

Um dado macroscópico importante é a forma da clavícula humana em “S” itálico alongado. Nenhum outro animal, nem os primatas, têm clavícula nesse formato, o que nos leva a afirmar que este é o osso mais humano do nosso corpo. O uso dessas metodologias leva, sem dúvida, ao diagnóstico diferencial da espécie humana.

Dois trabalhos nacionais de autoria de Saturnino Aparecido Ramalho – dissertação de Mestrado e tese de Doutorado –, apresentados à FOP-Unicamp em 1994 e 2000, respectivamente: “A importância pericial do estudo comparativo histomorfológico do esmalte, dentina e cemento de dentes humanos e de outros animais” e “A importância pericial do estudo comparativo histomorfológico do osso humano e de outros gêneros”, merecem destaque. O autor conclui pela validade e segurança destas metodologias na diferenciação da espécie.

A radiologia também traz inestimável ajuda para a distinção entre o osso humano e o osso animal, mediante a análise da densidade da trama óssea.

Sexo

O sexo não apresenta dificuldades para o seu diagnóstico, quando estudamos um cadáver íntegro e recente. Mesmo que se trate de hermafrodita, o exame macroscópico e microscópico apurado apresentará, certamente, um resultado satisfatório e inquestionável.

Nos carbonizados, devemos procurar identificar o útero e a próstata, por serem os órgãos que mais resistem à ação térmica, devido a estarem anatomicamente protegidos na caixa pélvica. O raio X, nesses casos, é de extrema necessidade.

Os aspectos morfológicos e métricos do esqueleto permitirão o diagnóstico do sexo com segurança. Quanto mais mensurações e dados forem obtidos, mais confiável será o resultado.

A pelve, cintura pélvica ou bacia, é o segmento do esqueleto que apresenta maior dimorfismo sexual.

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A pelve humana pode ser classificada em ginecóide (tipicamente feminina), andróide (tipicamente masculina) e platipelóide (chamada de intermediária por aparecer numa frequência baixa em ambos os sexos).

Aspectos morfológicos

A cintura pélvica feminina apresenta os seguintes aspectos morfológicos:

• estreitos, superior e inferior, maiores, • de forma aproximadamente circular, • ângulo subpubiano menos agudo, • borda medial de ramo isquiopúbico côncava, • osso ilíaco menos espesso, • sacro mais achatado e largo, • promontório menos proeminente, e • acetábulo com diâmetro médio de 46 mm.

A cintura pélvica masculina apresenta os seguintes aspectos morfológicos:

• estreitos, superior e inferior, menores e elípticos, • ângulo isquiático mais fechado, • superfície anterior do púbis de aspecto aproximadamente triangular, • ângulos subpubianos mais agudos, • borda medial do ramo isquiopúbico convexa, • osso ilíaco mais espesso, • sacro mais estreito, pouco mais alongado, • promontório proeminente, e • acetábulo com diâmetro médio de 55 mm.

O ângulo sacrovertebral, que corresponde a duas retas, na vertical, uma que desce da coluna até o promontório e outra do promontório, prolongando-se até o sacro; oscila em torno de 110º no sexo masculino e 107º no feminino.

O índice isquiopúbico, representado pela relação centesimal entre o comprimento do púbis e o comprimento do ísquio, nos dois casos, a partir do acetábulo ou cavidade cotilóide, no sexo masculino, é de 84 a 89 mm nos

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leucodermas e de até 84 mm, nos melanodermas. No sexo feminino é acima de 95 mm nos leucodermas e entre 89 e 95 mm nos melanodermas.

O ângulo de inclinação pélvica, formado por duas retas que partem do promontório – uma se dirigindo para a espinha ilíaca anterossuperior e a outra para a trabécula púbica –, é de 58º no feminino.

O comprimento do corpo esternal, mais o manúbrio, é igual ou superior a 149 mm no sexo masculino, e menor que 149 mm no sexo feminino (Asley).

A proporção entre o manúbrio e o corpo do esterno, segundo Hirtl, Strauc e outros, apud Almeida Júnior e Costa Júnior, tem valor na determinação do sexo. O índice percentual é representado pelo comprimento do manúbrio multiplicado por 100 (cem), dividido pelo comprimento do corpo. O índice feminino médio é de 54,3 e o masculino, de 45,2.

Os ossos longos também se prestam à diferenciação sexual através de sua morfologia e dimensões.

As cabeças dos fêmures e dos úmeros são maiores e mais grosseiras no homem.

O ângulo formado pelo eixo do fêmur e um plano horizontal, onde se apoiam os côndilos, mede em torno de 76º na mulher e 80º no homem.

Pearson e Bell, em 1919 (apud Arbenz, 1988), estudando dimensões lineares retas do fêmur, concluíram que: quando o diâmetro da cabeça do fêmur for menor que 41,5 milímetros, o osso será de pessoa do sexo feminino. Quando for maior de 45,5, será de pessoa do sexo masculino. Entre 41,5 e 43,5, provavelmente será de mulher. Entre 43,5 e 44,5 é duvidosa e, portanto, não define por si o sexo. O diâmetro vertical do colo do fêmur é de cerca de 29,5 milímetros na mulher e 34,0 no masculino. Os autores examinaram outras medidas, como as que seguem: comprimento poplíteo (distância que vai do fim da crista femural até a parte superior da chanfradura intercondiliana, cujos resultados foram: até 106 milímetros, feminino; acima de 145, sexo masculino; entre 106 e 114,5, provavelmente feminino; entre 142 e 145, provavelmente masculino; entre 114,5 e 132, sexo indefinido. Largura bicondiliana: 72 milímetros no sexo feminino; acima de 78 no sexo masculino; de 74 a 76, sexo indefinido. Comprimento trocantéreo oblíquo (distância que vai da borda superior do grande trocanter até o plano horizontal dos côndilos, devendo o osso estar colocado em posição anatômica, com os côndilos apoiados num plano horizontal) é de até 390 milímetros no sexo feminino e acima de 450 no sexo masculino, e, de 405 a 430, sexo indefinido.

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