O Exame Necroscópico
Autor | Jorge Paulete Vanrell |
Ocupação do Autor | Medicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia |
Páginas | 347-366 |
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Embora a morte represente o fim da vida, em muitos casos ela se transforma no começo de uma série de indagações e questionamentos, acerca das causas que levaram ao óbito.
E então o estudo da causa da morte se erige em uma necessidade não apenas médica – com o fito de poder decliná-la com precisão, no momento de preencher e expedir a Declaração de Óbito –, como também jurídica, no intuito de dirimir dúvidas, quando se trata de uma morte suspeita de ter ocorrido com o auxílio de violência ou, de plano, caracterizá-la como tal – morte violenta – quando inexistam dúvidas quanto a sua etiologia.
Referido estudo da causa da morte exige, para seu completo esclarecimento, a realização de um ato médico, tanatológico, da maior importância técnico-científica e jurídica: a necrópsia ou autópsia.
Necrópsia (gr. nécros, morto, e ópsis, visão, observação) e autópsia (gr. autós, a si mesmo, ópsis, visão, observação) compõe-se de dois termos que, consagrados pela prática e pela rotina, se empregam indistintamente, significando a mesma coisa: exame do cadáver realizado com a finalidade de pesquisar, comprovar e diagnosticar a etiologia da morte de um ser humano, implicando pôr em jogo um conjunto de procedimentos técnico-científicos sistematizados, tendentes a constatar alterações (congênitas e/ou adquiridas), naturais ou traumáticas (violentas ou não), as quais, agindo com anterioridade ou recentemente, levaram a morte ao indivíduo.
Do ponto de vista médico-legal, poderiam dividir-se as necrópsias em dois grandes tipos:
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Necrópsia ou autópsia anatomopatológica ou clínica.
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Necrópsia ou autópsia médico-legal ou judicial.
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As primeiras, nem de caráter médico-legal nem de caráter judicial, podem, por outro lado, ser de diferentes subtipos, de acordo com o objetivo visado (científico, clínico, anatomopatológico etc.).
Já a necrópsia médico-legal ou judicial é feita em todos os casos de morte violenta ou suspeita, realizada em um ambiente adequado, sempre pelo médico-legista, como membro da Polícia Judiciária, de modo a caracterizar não apenas a causa da morte mas, também, sempre que possível, a maneira da morte.
Sinonímia
O exame necroscópico também é referido como autópsia (no Código de Processo Penal), como necroscopia e como tanatoscopia. Esses, portanto, são os termos sinônimos mais frequentemente empregados e cujo uso, mais do que da precisão da linguagem, depende dos costumes e da época em que foram elaborados os textos legais.
Sem lugar a dúvidas, é a maior, a mais complexa e a mais exigente de todas as perícias médico-legais. Uma vez realizada, torna-se impossível refazê-la em condições apropriadas; por isso é necessário, antes de começá-la, ter bem claros os objetivos, todos os procedimentos e as estratégias específicas de abordagem, os materiais a serem recolhidos etc. Ao mesmo tempo não se trata de perícia que envolva urgência médico-legal, e, portanto, só deve ser realizada à luz do dia, no mínimo seis horas após a morte (com as exceções do art. 162 do CPP), em instalações apropriadas e contando com todo o material e os auxiliares necessários.
Para levá-la a efeito, o médico-legista ou o odonto-legista, quando couber, poderá tomar todo o tempo necessário – horas ou dias –, até exaurir todas as possibilidades que o exame oferece para a Justiça. Infelizmente, na prática e na maioria dos serviços médico-legais, é o exame que com mais frequência se realiza em condições, locais e horários inadequados.
O exame necroscópico tem quatro finalidades fundamentais, a saber:
• identificar o cadáver; • determinar a data e a hora aproximada do óbito; • determinar a causa médica da morte; e • colher e oferecer informações que colaborem no estabelecimento da causa jurídica da morte.
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Com essas duas últimas finalidades, podem retirar-se projéteis (cuja análise ulterior será feita pela Balística), colher-se vísceras para pesquisar a presença de substâncias tóxicas, colher-se sangue e/ou humor vítreo e/ou líquor cefalorraquidiano, para pesquisar as taxas de álcool, os metabolitos de algumas drogas, etc.
Independentemente da técnica a ser seguida, o exame necroscópico compreende os seguintes e sucessivos passos:
• tanatognose, • cronotanatognose, • identificação, • exame externo, • exame interno, e • recomposição do cadáver.
Parece-nos que a orientação de BONNET (op. cit.) é a mais adequada para manter a ordem, a harmonia e tirar o máximo proveito do exame pericial, seguindo quatro normais fundamentais:
a) Que a necrópsia seja completa
Todos os órgãos e sistemas deverão ser examinados cuidadosamente, não se subestimando, a priori, nenhum segmento da economia.
b) Que a necrópsia seja metódica
A necrópsia se realizará com a técnica que por prática, e preferência individual, seja a mais confiável para o médico-legista. Não existe uma única maneira para desenvolver a técnica. Qualquer uma pode ser útil, com a condição de que o exame seja completo e não desprezando de antemão aspectos que, ao final, possam ser importantes.
c) Que a necrópsia seja efetuada sistematicamente
Em todos os casos em que a “causa mortis” não apareça claramente dos fatos que se observam em um primeiro exame perfunctório, o exame necroscópico deve ser feito de maneira completa e dentro da melhor técnica. É desse modo que podem observar-se concausas eficientes mas ocultas, e/ou causas super-venientes e larvadas.
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d) Que a necrópsia seja ilustrativa
Por menores que sejam os achados e por mais elementares que possam parecer, ou que “deveriam” dar-se por óbvios, da mesma forma hão de ser consignados expressamente. Poder-se-ão acrescentar croquis, diagramas, desenhos, fotografias, radiografias etc., de modo que ao serem propostas as conclusões estas exsurjam natural, racional e cientificamente válidas a partir dos elementos semiológicos ou propedêuticos que sustentem tais diagnósticos médico-legais.
Tanatognose
Representa o reconhecimento da morte do indivíduo: faz-se o reconhecimento e registro de sinais de certeza de morte ou de pelo menos dois sinais positivos de morte.
Cronotanatognose
É o procedimento que calcula o tempo de morte e, em sendo este maior ou igual a 6 (seis) horas, pode-se prosseguir no exame. Se o tempo estimado de morte for menor de 6 (seis) horas, ou se aguarda o decurso desse prazo ou, caso haja justificativa para o prosseguimento da perícia, tal justificativa deve, obrigatoriamente, ser consignada no Relatório (art. 163 do CPP).
Identificação
Inclui o registro dos elementos capazes de contribuir na identificação antropológica do cadáver, como: sexo, idade estimada, cor, altura, peso, tipo de cabelos, barba, cor de olhos, arcadas dentárias e sinais...
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