O Exame Necroscópico nas Exumações nas Mortes Pós-tortura

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas473-488

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Definição

Conforme já foi mencionado no Capítulo 17, segundo a definição dada pela Lei n° 9.455, de 7 de abril de 1997, que regulamenta o inciso XLIII do artigo da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, in verbis:

A tortura é o sofrimento físico ou mental causado a alguém com emprego de violência ou grave ameaça, com o fim de obter informação, declaração ou confissão de vítima ou de terceira pessoa, outrossim, para provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou então em razão de discriminação racial ou religiosa.

Os procedimentos de tortura, na maioria das vezes, são pouco conhecidos ou até mesmo desconhecidos, já que se evita sua divulgação por parte dos que a aplicam e até por parte dos que veem seus resultados. Esse fato, entretanto, não inclui os médicos-legistas, que, ratione officio, não só devem conhecer todas as modalidades de tortura como, também, saber pesquisar seus efeitos imediatos e mediatos, e estar a par das sequelas que cada procedimento pode deixar, a fim de poder, durante a vistoria pericial que segue à exumação, buscá-las no morto.

As situações que se podem encontrar durante a exumação

Preliminarmente e antes de sistematizar qualquer tipo de exame necroscópico, mister pontualizar as principais situações que se podem encontrar durante a exumação e o exame necroscópico subsequente.

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  1. Quanto à precedência de exames

Os restos mortais a serem examinados, uma vez completada a exumação, poderão encontrar-se em uma das seguintes situações:

1) Não passaram por um exame anterior, já que, por razões diversas, o corpo não foi encaminhado oportunamente para exame necroscópico, obrigatório, por tratar-se de morte violenta ou, pelo menos, de morte suspeita.

2) Já passaram por um primeiro exame necroscópico e, via de consequência, efetuar-se-á uma segunda necrópsia ou reexame.

As duas situações são complexas e deveriam ter sido evitadas opportuno tempore.

A primeira porque, além de configurar flagrante desrespeito à lei adjetiva penal, pressupõe, ao menos em tese, que elidir o procedimento necroscópico foi uma forma de evitar que se detectassem, por parte dos médicos-legistas, vestígios de violência, quer externa, quer interna. Dependendo do estado em que se encontre o corpo quando da exumação, os vestígios da violência se encontrarão cada vez mais mitigados, até desaparecerem ou quase desaparecerem quando implicam estruturas mais resistentes à passagem do tempo, como é o caso das estruturas ósseas.

A segunda, porque um exame necroscópico prévio pode comprometer e enfraquecer os achados, durante o reexame ou 2ª necrópsia de atos de violência que foram praticados e que ora são mais difíceis de descobrir, além do que poderiam ter sido introduzidos “artefatos” (modificações) iatrogênicos. Destarte, compromete-se o resultado documental do trabalho dos médicos-legistas que realizaram o primeiro exame e que, por razões inexplicáveis, deixaram de registrar fatos que poderiam e que deveriam ter observado.

b) Quanto ao estado de destruição/conservação

O cadáver, uma vez inumado, e a menos que tenha sido submetido a algum tratamento conservador – formolização, tanatopraxia, embalsamamento etc. –, sofrerá uma série de fenômenos destrutivos (cf. Capítulo 10). Assim sendo, no fim da exumação poderemos encontrar uma das seguintes situações:

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1) O cadáver não sofreu qualquer tratamento e se encontra em alguma das fases da putrefação:

• fase cromática • fase enfisematosa • fase coliquativa • fase de esqueletização

2) O cadáver sofreu tratamentos e se encontra conservado, através de:

• formolização simples • tanatopraxia • embalsamamento

Na primeira situaçãoquando o cadáver não sofreu qualquer tratamento – tudo quanto se possa achar dependerá, em grande parte, da celeridade com que seja feita a exumação e 2ª necrópsia. Isso porque, no inexorável passo do tempo, quanto mais demorada seja a implementação dos exames, maior será a destruição sofrida pelo corpo a ser examinado e maiores as chances de deparar com manifestações ambíguas, quando não enganosas, em face da instalação de modificações estruturais que muitas vezes se mostram esquivas e dúbias, mesmo aos exames histopatológicos ou toxicológicos. De fato, vestígios que podem ser vistos ainda na fase cromática poderão ser mascarados, na fase enfisematosa, e, na fase coliquativa, até mesmo desaparecerem.

Na fase cromática, podem encontrar-se vestígios característicos de procedimentos de tortura, como:

• Lesões eletroespecíficas por choque elétrico na superfície corporal (bastão elétrico, “cadeira do dragão” etc.)

• Lesões eletroespecíficas por choque elétrico nos órgãos genitais e na mucosa oral;

• Queimadura com cigarros, com resistências elétricas etc.; • Queimadura com substâncias incendiárias nas regiões genitais e anais femininas (“churrasquinho”);

• Perfuração sob as unhas com objetos pontiagudos;

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• Arrancamento das unhas; • Escoriações de arrasto em pontos mais salientes do corpo e membros; • Áreas de alopecia traumática, por arrancamento de tufos de cabelo; • Equimoses orbitárias uni ou bilaterais; • Equimoses de esganadura e/ou estrangulamento; • Equimoses (eventualmente acompanhadas de edema e escoriações) nos pulsos, tornozelos e polegares, provocadas por algemas, cordas ou ataduras;

• Atentado violento ao pudor; • Empalamento (penetração do ânus com pedaço de pau); • Estupro; • Ruptura dos tímpanos por golpes manuais nos ouvidos (“telefone”); • Espancamentos com cassetetes e barras metálicas, desde que as equimoses não se sobreponham às manchas de hipóstase;

• Edemas e ferimentos na palma das mãos e sola dos pés; • Fraturas de ossos longos e de ossos cranianos; • Fratura do processo estilóide do osso temporal, uni ou bilateralmente; • Deiscência de ossos cranianos; • Fraturas e avulsões dentárias; • Fratura do osso hióide e/ou dos cornos da cartilagem tireóide (notadamente quando está parcialmente calcificada);

• Grandes volumes de água em estômago, duodeno e esôfago (sufocação por afogamento com jato d’água);

• Ausência de fezes em cólon descendente, cólon sigmóide e reto (uso de laxantes pré-tortura);

• Lesões produzidas por omissão alimentar e falta de condições para higiene corporal;

• Lesões produzidas por insetos e roedores; • Lesões por hipotermia; • Presença de tóxicos.

Na fase enfisematosa, podem encontrar-se vestígios característicos de procedimentos de tortura do tipo:

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• Queimadura com cigarros, com resistências elétricas etc. (eventual e conforme localização);

• Arrancamento das unhas; • Áreas de alopecia traumática, por arrancamento de tufos de cabelo; • Fraturas de ossos longos e de ossos cranianos; • Fratura do processo estilóide do osso temporal, uni ou bilateralmente; • Deiscência de ossos cranianos; • Fraturas e avulsões...

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