Morte Súbita na Infância

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas89-114

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Noções gerais sobre a morte súbita

A morte súbita é uma forma de morte, tanto com interesse epidemiológico e patológico como médico-legal. Além do mais, por tratar-se de um evento imprevisto, sempre representa um impacto no entorno familiar e social da vítima.

Atribui-se a Lancisi a primeira obra sistemática sobre o tema: “De subitaneis mortibus”, publicada em 1707.

Para Morgagni era aquela morte que ocorre contra o esperado pelo médico. E Martin a entendia como “la extinción brusca da vida sucediendo a los efectos rápidos o imprevistos de causa interna o patológica, aparte de toda acción mecánica o tóxica”.

Enquanto alguns autores – como França – aceitam um critério mais amplo e reconhecem duas classes de morte (a “de causa patológica” e a “de causa violenta”), e outros a circunscrevem à morte de “aparência natural”, a maioria reserva o termo exclusivamente para as mortes naturais.

Definiremos a morte súbita como a morte de causa natural que sobrevém de forma rápida, em um sujeito em aparente bom estado de saúde.

Da definição surge a tríade de condições, que a morte deve reunir, para ser catalogada como súbita:

a) Morte natural. Ela exclui todas as formas de morte violenta (acidente, suicídio e homicídio), seja de natureza traumática ou tóxica. Sem prejuízo disso, o caráter inesperado dessas mortes as coloca quase sempre na categoria das mortes suspeitas, e será a partir do conhecimento e interpretação do conjunto dos resultados da investigação que se poderá excluir uma etiologia violenta.

  1. Morte rápida. O critério de rapidez é arbitrário, pois diferentes autores o limitam de maneira diversa: segundos, quinze minutos, duas horas,

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seis horas, doze horas ou vinte e quatro horas. Na 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (CID-10), diferenciam-se duas subcategorias para a morte súbita de causa desconhecida, a saber: a “morte instantânea” (R96.0) e a “morte que ocorre em menos de vinte e quatro horas do início dos sintomas, não explicada de outra forma” (R96.1). Em atenção à sua especificidade a CID-10 classifica, em categorias separadas, a “morte cardíaca súbita, assim descrita” (I46.1) e a “síndrome da morte súbita infantil” (R95). c) Morte em aparente bom estado de saúde. A condição de ter acontecido com um indivíduo em aparente bom estado de saúde é que outorga à morte o caráter de inesperado. O critério refere-se, obviamente, àquilo conhecido antes da realização da autópsia. A pessoa falecida poderia, inclusive, ser portadora de alguma condição patológica conhecida, congênita ou adquirida, aguda ou crônica, mas que, em todos os casos, não explica a morte nem se faria prevê-la.

De acordo com a definição adotada, a morte súbita, mais que uma causa de morte, seria uma forma de morte, via final comum de afecções muito diversas, que poderão ser mais ou menos determinadas mediante a autópsia ou outros estudos complementares.

No quadro abaixo se mostra um esquema tão clássico como atual, com os distintos tipos de morte súbita.

Quadro 1- Classificação da morte súbita (modificado de Simonin)

Morte súbita orgânica

Com causa evidente

Sem causa evidente

Morte súbita funcional

Com estado patológico preexistente

De causa desconhecida

Por inibição

Importância sanitária e clínico-patológica

A importância epidemiológica da morte súbita é determinada, em primeiro lugar, pela sua elevada participação nas estatísticas de mortalidade. As diferenças

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nos critérios adotados para uma definição operativa da morte súbita contribuem para a heterogeneidade nas estatísticas. Alguns trabalhos concluem que a morte súbita explica até 12% da mortalidade total, e de 20 a 22% dentro do grupo de adultos jovens.

Porque ocorre em todas as idades, e ter até mesmo uma elevada participação na mortalidade infantil (menores de um ano), é muito importante como responsável de anos de vida potencialmente perdidos. Com efeito, o fenômeno da morte súbita apresenta dois picos: nos primeiros seis meses de vida e no adulto (entre os 45 e os 75 anos).

Além do mais, por seu caráter inesperado constitui um desafio sob o ponto de vista da implementação de estratégias sanitárias dirigidas à sua prevenção.

A morte súbita tem um notado interesse do ponto de vista clínico e patológico, pelas inúmeras e variadas causas que podem determinar sua ocorrência, tanto na criança como no adulto, o que será oportunamente tratado.

Bichat sustentava que a causa de morte devia encontrar-se no cérebro, nos pulmões ou no coração. Para Brouardel, a maioria das mortes súbitas tinha uma causa renal. Na atualidade está demonstrado que a maioria delas tem origem cardiovascular (no adulto alcança entre 80 e 88%, com um franco predomínio da causa coronariana).

Às vezes, nem mesmo uma autópsia completa é capaz de identificar a causa de morte, como ocorre em algumas mortes súbitas funcionais. Nesses casos, ainda pode ser difícil ou impossível descartar uma etiologia violenta, como quando o falecimento sobrevém por causa de um mecanismo inibitório em resposta a um traumatismo mínimo.

Inclusive, pode acontecer que seja a ausência de achados patológicos um critério diagnóstico de causa de morte por exclusão, como ocorre na síndrome de morte súbita do lactente.

Aspectos médico-legais da morte súbita

Ainda que por definição se trate de uma morte natural, a morte súbita ocupa boa parte do trabalho tanatológico dos médicos forenses. O percentual de mortes naturais (cuja maioria é de mortes súbitas) no total das autópsias judiciárias realizadas é muito alto, e sua magnitude varia segundo os autores e os países:

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• 60-70% (Vargas Alvarado: Costa Rica). • 50-67% (Di Maio, Adelson, Hirsch: Estados Unidos). • 18-50% (Serrat, Pujol, Concheiro, Casas Sánchez: Espanha).

Por tratar-se de morte inesperada, a morte súbita é habitualmente uma morte suspeita. Isto é particularmente verdadeiro para a idade pediátrica e para os adultos jovens.

Há de se levar em consideração que, ainda que a morte súbita seja uma morte natural, este último diagnóstico costuma requerer a realização de autópsia. E nesse caso o objetivo principal da autópsia judicial consiste, precisamente, em excluir a possibilidade de uma morte violenta com aparência de morte natural.

Nas mortes em que se pratica uma autópsia judicial, o médico assistente não assina a declaração de óbito (documento necessário para a inumação ou cremação do cadáver), ficando essa obrigação a cargo do médico forense ou legista, após realizar as perícias necessárias.

A norma jurídica relacionada com as declarações de óbito varia segundo os distintos países. No entanto, e além dos matizes e diferenças locais, todas procuram que as declarações dos falecimentos assinadas pelos médicos assistentes só ocorram nos casos de morte natural. Do ponto de vista médico--legal, o fato mais relevante da firma de uma declaração de óbito por parte de um médico assistente é a certificação de que se trata de uma morte natural. Em consequência, a expedição de declaração de óbito, no caso de morte ostensivamente violenta ou suspeita de sê-lo, é vedada ao médico em função assistencial por ser sempre da alçada do médico-legista ou forense.

A morte súbita integra a categoria da morte suspeita, por mais que a perícia médico-legal acabe demonstrando que a imensa maioria se trata de mortes naturais.

A indicação de atuação do médico-legista não se sustenta no desconhecimento da causa última da morte (o que igualmente tem indubitável interesse sanitário), ou no interesse jurídico de se excluir a possibilidade de uma morte violenta.

A morte súbita na infância

A morte súbita ocorre em todas as idades.

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Todavia, nos menores de um ano o estudo da morte súbita tem uma relevância especial, por razões epidemiológicas (que explicam boa parte da mortalidade infantil), clínico-patológicas e médico-legais.

Além do mais, a morte súbita de um lactante também gera repercussões do ponto de vista social e psicológico. Com efeito, por ocorrer inesperadamente e nos alvores da vida, gera um singular impacto no núcleo familiar, semeia um luto de difícil resolução e pode associar-se a suspeitas de culpabilidade materna ou derivar para perturbações dos vínculos familiares normais, principalmente entre pais e irmãos.

Definições

Importante é explicar algumas definições, nem sempre coincidentes com a bibliografia.

  1. Morte súbita infantil. Outras expressões que se têm empregado para referir esse tipo de morte são: morte do lactante em domicílio, morte inopinada ou inesperada do lactante.

    Nada mais é do que a morte súbita que ocorre em um lactante (menor de doze meses de vida). Ou seja, a morte natural e rápida de um lactante que demonstra um aparente bom estado de saúde.

    Da definição surge que, independentemente da causa de morte, esta se deu de forma brusca, por um mecanismo natural e em um lactante aparentemente sadio (ou com alguma patologia que não permitia prever o falecimento). Esse desfecho pode ser devido a um variado conjunto de causas, as...

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