Cálculo do 'Post Mortem Interval

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas285-303

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Introdução

Um fato certo e absoluto é de que todo ser humano morrerá. Entretanto fica a pergunta do que acontecerá, materialmente falando, depois da morte.

Como já largamente debatido nos capítulos precedentes, do ponto de vista biológico, a morte não é um evento, e sim um processo. Isso porque os tecidos e órgãos em corpos diferentes tendem a morrer em tempos diversos. De uma maneira geral, podemos dividir a morte de um indivíduo em morte somática e morte celular.

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A morte somática faz referência ao momento a partir do qual um indivíduo não faz mais parte da sociedade, porque ele está irreversivelmente inconsciente e desligado do mundo.

A morte celular ocorre quando cessa a respiração, isto é, a essência do metabolismo mesmo anaeróbico.. Quando todas as células interromperam essas funções, logo, estão mortas e, então, o corpo está morto. Todavia, todas as células não morrem ao mesmo tempo, excluindo-se o envenenamento pelos cianuretos e os cataclismos nucleares. Mesmo em uma vítima que sofre separação das partes do corpo, pelo efeito de uma explosão, as células individuais continuarão vivendo durante alguns minutos ou até mesmo por um tempo maior. Mesmo com a parada do coração, células diferentes podem viver por um tempo variável. As células do cérebro são particularmente sensíveis à privação de oxigênio completa e morrem em um intervalo de 3 a 7 minutos, depois da falta deste.

Como já discutido anteriormente, há países que consideram a cessação das atividades cerebrais como morte legal, mesmo que o corpo permaneça vivo com auxílio de aparelhos, abrindo um precedente para o transplante de órgãos, para o que, necessariamente, o doador tem que estar legalmente morto, ainda que biologicamente apresente algumas estruturas vivas, justamente as que hão de ser transplantadas.

O que iremos discutir aqui é justamente o que acontece depois da parada cardiorrespiratória de um indivíduo, estando seu corpo submetido a duas condições diferentes, a saber:

• exposto ao ar livre; ou • em lugar fechado.

O problema da determinação do tempo da morte é complexo e deve ser tratado com cautela, pois existem inúmeros fatores desconhecidos que podem dificultar ou retardar a chegada até as condições definitivas.

Geralmente, o tempo transcorrido desde a morte é determinado pela análise dos restos mediante a observação externa, controle físico-químico e estimativa da deterioração produzida pelo passar do tempo em roupas, sapatos e adereços. A observação externa inclui fatores como temperatura do corpo, livores cadavéricos, rigidez, sinais de desidratação, lesões externas, ataque de animais e invasão de insetos.

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Os parâmetros médico-legais são utilizados para determinar o tempo de morte transcorrido quando este é relativamente curto; porém, passadas 72 horas, a Entomologia é a única ciência que pode chegar a ser mais exata, e, muitas vezes, o único método seguro para se determinar, com grande aproximação, o intervalo post mortem.

Nos métodos tradicionais de cronotanatognose, o intervalo post mortem real é inversamente proporcional à sua estimativa, ou seja, quanto maior o intervalo post mortem, menor a possibilidade de uma determinação acurada. Inversamente, pelo método entomológico, quanto maior o intervalo, mais segura é a precisão da estimativa (Goff & Odom, 1987).

A estimativa do intervalo post mortem pelo método entomológico visa estabelecer o tempo, mínimo e máximo, entre a morte e o encontro do corpo. O limite máximo de tempo é estabelecido pela coleta dos espécimes e a análise do seu padrão de sucessão nos corpos, desde que sejam correlacionados às condições ambientais do local de exposição e todos os fatores que podem atrasar a chegada dos insetos e a colonização. O limite mínimo de tempo é estabelecido, por exemplo, pela idade dos espécimes coletados nos cadáveres; portanto, o espécime mais velho corresponde ao menor intervalo entre a colonização e a descoberta do corpo.

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Essas, no entanto, são apenas algumas das formas de se determinar, aproximativamente, o tempo da morte. Todavia, nenhuma delas o é tanto como aquelas que estejam ligadas à Entomologia ou ao seu uso, objetivo deste capítulo.

Depois da fase inicial de decomposição, o corpo começa a emitir odores, o que atrai diferentes insetos para o cadáver. Os odores resultam dos gases citados: amoníaco (NH3), ácido sulfídrico (SH2), nitrogênio livre (N2) e dióxido de carbono (CO2). O amoníaco (similar ao cheiro de banheiro) é de fácil dissipação; o nitrogênio livre forma parte constituinte fundamental (cerca de 70%) do ar normal; o dióxido de carbono forma parte constituinte fundamental (cerca de 15%) do ar normal; e o anidrido sulfídrico (sulfeto de hidrogênio ou dissulfeto de hidrogênio) é o único aberrante e a origem do odor de putrefação.

Os insetos que normalmente chegam primeiro são os Dípteros ou moscas, podendo ser, afora as domésticas, as das famílias Calliphoridae e Sarcophagidae.

As fêmeas colocarão os ovos sobre o corpo, especialmente ao redor dos orifícios naturais, como o nariz, a boca, os olhos, as orelhas, o ânus, o pênis e a vagina. Caso o corpo apresente algum tipo de ferimento, na ferida também serão depositados os ovos. Assim, os locais infestados por ovos ou larvas em um cadáver podem ser importantes para determinar tanto a causa

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da morte como, também, para reconstituir alguns eventos anteriores a ela, pois, se houve um trauma do corpo anterior à morte, poderá levar a uma grande infestação em locais não habituais, o que normalmente se vê nos casos de mutilação e nas lesões de defesa.

Devemos lembrar que as chamadas moscas da carne (flesh flies) são vivíparas, logo, não botam ovos, e sim, depositam as suas larvas já ativas. Outro dado importante e que deve ser levado em conta é que as fêmeas de moscas varejeiras, como ocorre com as demais, também botarão seus ovos na região facial, porém raramente na região genitoanal, exceto quando tenha havido uma agressão sexual antes a morte. Tal agressão, capaz de provocar um sangramento nessa região (genitoanal), provavelmente levará esse tipo de mosca a depositar ali os seus ovos.

Assim, caso seja observada atividade de varejeira na região genitoanal, o Perito Criminal ou o Médico-Legista poderá começar a suspeitar de crime sexual. Isso deve ser confirmado, é claro, pela presença de outras evidências. Importante lembrar que a presença de larvas de mosca varejeira na região genitoanal fica muito menos evidente depois de 4 a 5 dias. Com efeito, após tal período e em função da decomposição, esta será uma região sem preferências diferenciais em relação ao resto do corpo.

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Para os dípteros ovíparos, depois de um pequeno lapso, variável dependendo de espécie, o ovo se desenvolve e dele sai uma pequena larva. Esta larva se mantém viva retirando nutrientes dos tecidos mortos, e cresce rapidamente. Depois de um curto período a larva muda, alcançando o seu segundo estágio larval. Nessa fase a larva come muito e muda novamente, para alcançar seu terceiro estágio.

Quando a larva está completamente crescida...

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