As Formas de Morte

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas67-81

Page 67

Introdução

Por ser a morte um fenômeno complexo, resulta evidente que pode haver diferentes critérios para ser analisada. Cada um desses critérios poderá ser mais ou menos aplicável a um determinado campo das ciências médicas, jurídicas e sociais.

Classificação Médico-Legal das Formas de Morte

Em Medicina Legal, a forma mais abrangente de classificar as formas de morte é a seguinte:

• Pela sua certeza: - real aparente

• Pela sua rapidez: - lenta (em lise) rápida (em crise)

• Pela sua causa: - violenta

- suicídio homicídio - acidente duvidosa

- súbita sem assistência - suspeita

Page 68

Conceito de Morte Real

O conceito de morte, interessando a áreas tão diversas das ciências biológicas, jurídicas e sociais, está longe de ser um consenso quanto ao momento real de sua ocorrência.

É que a morte, observada do ponto de vista biológico, e atentando-se para o corpo como um todo, não é um fato único e instantâneo, e sim o resultado de uma série de processos, de uma transição gradual.

Com efeito, levando-se em consideração a diferente resistência vital das células, tecidos, órgãos e sistemas que integram o corpo à privação de oxigênio, forçoso é admitir que a morte é um verdadeiro “processo incoativo”, que passa por diversos estágios ou etapas no devir do tempo.

Cada campo do conhecimento e cada ramo da medicina acabaram por tomar um momento desse processo, adotando-o como critério definidor de morte. A Medicina Legal, segundo DEROBERT (1974), também, teve de adotar uma determinada etapa do citado processo como o seu critério de morte, e, para tanto, optou pela etapa da morte clínica.

Até bem pouco tempo, uma das grandes questões era poder determinar se uma pessoa, realmente, estava morta ou se se encontrava em um estado de morte aparente. Tudo isso visando evitar a inumação precipitada, que seria fatal nesta última situação. O fato assumiu tal importância que chegou a influenciar os legisladores, que acabaram por colocar, na legislação adjetiva civil, prazos mínimos para a implementação de certos procedimentos, como a necrópsia e o sepultamento.

O aparecimento das modernas técnicas de ressuscitação e de manutenção artificial de algumas funções vitais – como a respiração (respiradores mecânicos, oxigenadores) e a circulação (bomba de circulação extracorpórea) –, mesmo na vigência da perda total e irreversível da atividade encefálica, criou a necessidade de rever e readaptar os critérios de morte, como vimos no Capítulo 2.

A atividade neurológica é a única das funções vitais que, até o presente momento, não teve condições, em que pesem os avanços tecnológicos, de ser suplementada nem de ter suas funções mantidas por qualquer meio artificial. Daí que os seus prejuízos, sua irrecuperabilidade ou a sua extinção sejam, praticamente, sinônimos da própria extinção da vida.

Page 69

Mas, e quiçá por isso mesmo, é no campo neurológico que ocorrem, segundo VIGOROUX (1972), os mais variados e sutis estados intermediários entre a vida e a morte, denominados pelo citado autor de “estados fronteiriços”.

Alguns desses estados fronteiriços se encontram mais próximos da morte, como aqueles chamados “estados de vida parcial”, como os “comas ultrapassados” (carus ou “coma dépasé”), com desaparecimento da vida de relação e conservação da vida vegetativa; de duração variável, como os subcrônicos ou “prolongados”, com duração superior a três semanas, e os crônicos ou irreversíveis. Outras formas, contrariamente, se encontram mais próximas da vida, a exemplo dos denominados estados de “morte aparente” (cf. infra).

Morte Aparente

A morte aparente, segundo THOINOT (1913), pode ser definida como um estado transitório em que as funções vitais “aparentemente” estão abolidas, em consequência de uma doença ou entidade mórbida que simula a morte. Nesses casos, que também podem ser provocados por acidentes ou pelo uso abusivo de substâncias depressoras do sistema nervoso central (SNC), a temperatura corporal pode cair sensivelmente e ocorre um rebaixamento das funções cardiorrespiratórias, de tal envergadura que oferecem, ao simples exame clínico, a aparência de morte real.

É inconteste que, mesmo com esse quadro, a vida continua – sem que no entanto se manifestem sinais externos: os batimentos cardíacos são imperceptíveis, os movimentos respiratórios praticamente não podem ser avaliados, isso porque inexistem elementos de motricidade e de sensibilidade cutânea.

Assim a denominada tríade de Thoinot define, clinicamente, o estado de morte aparente:

• imobilidade, • ausência aparente da respiração, e • ausência de circulação.

A duração desse estado foi um dos elementos que mais aguçou a curiosidade dos pesquisadores. Historicamente, surgiram opiniões as mais díspares, indo desde alguns minutos até dias de morte aparente.

A causalidade permite distinguir, de acordo com SCIGLIANO et al (1989), as seguintes formas de morte aparente:

Page 70

Sincopal. É a mais frequente das causas, resultando, em geral, de uma perturbação cardiovascular central e/ou periférica, bem como de perturbações encefálicas e/ou metabólicas, como:

• Perturbações vasculares periféricas: Acidente isquêmico transitório. Síndrome do arco aórtico (doença sem pulsação). Perturbações cardiovasculares centrais. Fibrilação, assistolia por doença cardíaca primária ou por estimulação do seio carotídeo.

- Síndrome de Morgagni-Stokes-Adams. Tromboembolismo pulmonar. Doença do nó sinoatrial. Cardiopatias com volume sistólico diminuído (estenose aórtica, enfarte agudo do miocárdio).

- Disritmia cardíaca com taquicardia, que diminui o enchimento cardíaco. Bloqueio de ramo que reduz o esvaziamento cardíaco.

• Perturbações cerebrais e/ou metabólicas Hemorragias maciças. Anemia intensa. Exercício violento com acidose respiratória por hiperventilação forçada. Encefalopatia hipercápnica em enfisematosos descompensados com alcalose respiratória, hipóxia e hipercapnia. Hipoglicemia cerebral (mixedematosos, addisonianos, diabéticos, insulinomas, inanição prolongada).

Histérica (Letargia e Catalepsia). As crises histéricas ocupam o segundo lugar em frequência na produção de estados de morte aparente. O termo genérico letargia designa todos os estados de sopor de longa duração, acompanhados de perda de movimentos, sensibilidade e consciência, que podem ser confundidos com a morte real.

Asfíctica. É também uma das causas assaz frequentes de morte aparente. Manifesta-se sob duas formas: mecânica, quer com via aérea livre, quer com via obstruída, e não mecânica, asfixia de utilização ou histotóxica (absorção de CO, cianuretos e venenos meta-hemoglobinizantes).

Page 71

Tóxica. Compreende a anestesia e a utilização de morfina ou outros alcalóides do ópio (heroína) em doses tóxicas.

Apoplética. É causada pela congestão (ingurgitação) e hemorragia no território de uma artéria encefálica (em geral a lentículo-estriatal). É mais comum em pacientes com antecedentes de hipertensão arterial essencial, mas também pode observar-se nos seguintes quadros:

•...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT