Os Desastres em Massa

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas489-500

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Introdução

Até o século retrasado, em geral a morte parecia apresentar-se como um fato unitário. O decesso, pouco importando a sua causa jurídica, acabava com a vida de uma ou mais pessoas, todas conhecidas e fáceis de identificar.

As exceções eram, aqui e acolá, os conflitos bélicos, que de tempos em tempos arrebatavam centenas ou milhares de vidas em combates regionais, localizados, ou de extensão universal. Nesse caso, na maioria das vezes os mortos nem eram reconhecidos, lembrados tão-somente como “mortos em combate”, “desaparecidos em ação”, “desaparecido no campo de batalha”, ou outros eufemismos parecidos.

Todavia, a partir da segunda metade do século XX, temos assistido a um grande número de desastres de massa, quer naturais – vendavais, inundações, deslizamentos de encostas, erupções vulcânicas, terremotos, tufões –, quer produzidos diretamente pela ação ou pela influência humana, como os acidentes de trânsito, acidentes de aviação, naufrágios, incêndios, acidentes industriais, atentados terroristas e conflitos armados.

As Ciências Forenses, em geral, e a Medicina Legal, em particular, vindo em socorro daquelas, passaram a desempenhar papel significativo, cuja importância, como é curial, varia de país para país, de acordo com a sistemática processual de cada um. Paralelamente, a reação perante um desastre também costuma ser bastante diversa. Fatores como a estrutura social, a religião, a estrutura política, a legislação, os recursos humanos e materiais disponíveis, entre outros, podem direcionar os procedimentos e as atitudes a serem assumidas.

A identificação dos restos humanos em desastres em massa permite aos familiares sobreviventes resolver as situações que resultam diretamente do óbito, bem como continuar com a vida de cada um. Um fato, contudo, é objetivo: a documentação formal da morte requer uma identificação positiva

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e incontroversa, que é essencial à declaração do término legal da existência, com as implicações que acarreta, notadamente na área civil. A falta de uma declaração de óbito, na maioria dos países, resulta em sérios problemas legais para os familiares supérstites, que podem perder anos até obtê-la.

O intuito deste capítulo é:

• conceituar a extensão de um desastre, • detalhar o papel do médico forense e do odontolegista na identificação de restos humanos em desastres de massa, e

• sugerir um protocolo que integre o trabalho do odontolegista ao dos outros profissionais forenses, em ação.

Conceituação de desastre

O desastre é um evento infortunístico que, independendo de sua gênese, surge de inopino e que coloca em ação diversas equipes de trabalho que, antes de mais nada, devem integrar-se hierarquicamente. Essa integração deve ser administrativa e funcional, de modo a isolar a área, visando não prejudicar o local ou cena de crime, nem a colheita de provas ou vestígios.

Nesse sentido, a primeira questão a ser definida é, com base nas características peculiares, a alçada jurisdicional: se o caso é de competência estadual, ou requer a participação federal; se a investigação exigirá especificamente a intervenção da Aeronáutica, da Marinha ou do Exército. Embora essas diferentes jurisdições, em essência, tenham os mesmos procedimentos, até porque com ligeiras variantes os mesmos são universais, cada uma tem o seu próprio modus operandi. Definida a competência jurisdicional, as diferentes equipes forenses deverão agir de forma integrada, e coordenadas por uma autoridade, civil ou militar, que assuma a chefia do local ou de campo. No cenário da tragédia é que começarão a desempenhar as suas funções, nos limites de sua especialidade técnico-científica, conservando provas, preservando indícios, coletando restos.

Não havendo sobreviventes, que, no caso, teriam prioridade na salvação e no atendimento, as diferentes equipes, todas se atendo apenas aos restos materiais, deverão, agindo de maneira integrada, vasculhar a área de maneira organizada e em forma sucessiva: primeiro, os peritos criminais ou forenses, a seguir os médicos-legistas em conjunto com os odontolegistas.

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As situações que se podem apresentar em um desastre de grandes proporções podem ser muito diferentes, como, por exemplo:

1) Estruturas intactas: Prédios, navios, aeronaves etc.; vítimas intactas (e.g., naufrágio do “Bateau Mouche”, no Rio de Janeiro).

2) Estruturas intactas: Prédios, navios, aeronaves etc.; vítimas intensamente queimadas, fragmentação e dispersão dos corpos (e.g., incêndio do Edifício “Andraus” ou do Edifício “Joelma”, em São Paulo/SP).

3) Corpos boiando em águas abertas (e.g., desastres com embarcações no Rio Amazonas, o mais recente em setembro de 2001).

4) Corpos em espaços abertos e intactos (e.g., depois de uma enchente ou de um deslizamento, como em Petrópolis/RJ, na passagem 2001/ 2002).

5) Corpos em espaços abertos, dispersos em uma grande área.

6) Destruição parcial das estruturas, com alguns corpos destruídos (e.g., acidente aéreo do “Mamonas Assassinas”)

7) Destruição total das estruturas, com destruição completa dos corpos (e.g., atentado terrorista ao World Trade Center, em Nova Iorque, em 2001).

O Gerenciamento de um local de desastre

A primeira providência é estabelecer um cordão de isolamento da área que delimite, com folga, o local de desastre. Essa “folga” pode variar de...

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