Exames Necroscópicos Peculiares
Autor | Jorge Paulete Vanrell |
Ocupação do Autor | Medicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia |
Páginas | 367-389 |
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Há algumas necrópsias que apresentam características particulares. É o caso das realizadas em recém-nascidos, em envenenados, em esquartejados, entre outras.
1. Necrópsia do recém-nascido
Apresenta algumas variantes técnicas que exigem do perito respostas a problemas médico-legais específicos, os quais só poderão ser respondidos mediante autópsia, notadamente: demonstração do nascimento com vida, tempo de sobrevivência, viabilidade do recém-nascido, determinação da causa mortis médica, etc.
a) Exame externo
• Determinação do peso do corpo e da placenta (quando disponível);
• Verificação de sexo e do tamanho;
• Mensuração dos diâmetros cefálicos;
• Investigação da membrana pupilar (que desaparece até o 8º mês de desenvolvimento intrauterino);
• Verificação dos fâneros;
• Grau de decida testicular, nos recém-nascidos de sexo masculino;
• Verificação do coto do cordão umbilical, para detectar o uso de pinças, tipo de ligaduras, forma do nó, tipo de instrumento utilizado para seccioná-lo etc.;
• Pesquisa de lesões traumáticas nas diferentes regiões do cadáver.
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b) Exame do crânio
• Apresentam interesse as equimoses e sufusões sanguíneas, presentes na superfície cefálica.
• Pesquisar-se-á a existência, e, em caso positivo, o volume do tumor serossanguíneo, cujas dimensões serão tanto maiores quanto mais demorada tenha sido a duração do parto.
• Exploração cuidadosa da boca e vias respiratórias superiores, onde podem encontrar-se vestígios de infanticídio (oclusão das vias respiratórias).
• A secção do couro cabeludo se faz por meio de uma incisão transversal, bimastoidéa, como nas necrópsias de adulto.
• A abertura da cavidade craniana se faz com o emprego de tesouras, e não de serra, seccionando, em uma única vez, ossos e dura-máter.
• No caso de hemorragia, em que interessa a conservação da foz do cérebro e da tenda do cerebelo, a abertura craniana segue a técnica de Beneke, que secciona as suturas membranosas, bilateralmente, e alcança a foice do cérebro por ambos os lados.
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• Nesse momento se pode praticar a docimasia ótica de Wreden-Wendt-Gelé (cf. Docimasias).
c) Exame do pescoço
• Segue-se técnica igual que no adulto, mediante a dissecação por planos, do pescoço, apresentando grande interesse pela possível ocorrência de lesões de esganadura ou estrangulamento, tanto externas quanto internas, resultantes de manobras infanticidas habituais.
d) Exame do tórax
• A abertura se dá de forma idêntica que no adulto, ressalvando-se que as vísceras toracoabdominais são retiradas em bloco, com a prévia ligadura da traquéia, para a realização da docimasia hidrostática de Galeno.
• Há de se atentar para o coração e grandes vasos, visando constatar a eventual ocorrência de malformações fetais.
• O timo deverá ser medido e pesado separadamente, realizando-se, a seguir, alguns cortes no seu parênquima.
• Caso se suspeite de morte por asfixia, deverão ser pesquisadas manchas de Tardieu nas superfícies pleurais do pulmão, bem como petéquias epicárdicas.
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e) Exame do abdome
• Além do estudo da localização, forma, tamanho e cores das vísceras abdominais, o momento da necrópsia será útil para permitir a realização da docimasia gastrointestinal de Breslau, para a qual hão de retirar-se o estômago e o duodeno, em bloco, com a prévia laqueadura das extremidades cefálica e caudal do trato digestivo.
• Deverá observar-se a presença de mecônio e qual a altura que ele atinge no intestino.
f) Exame das extremidades
• Tal exame é relevante para o estudo dos pontos de ossificação – entre os quais o de Béclard, compatível com a maturidade fetal – que se localizam na epífise distal do fêmur, praticando cortes delgados e sucessivos, paralelos ao plano articular.
TEIXEIRA (1982-1983), propõe observar o seguinte roteiro e checklist em necrópsias de recém-nascidos e crianças de pouca idade:
• Obter informações das autoridades, testemunhas e familiares: procedência, data e hora do achado, local de encontro, condições circunstanciais e clínicas que precederam a morte. Hipóteses da causa mortis.
• anotações sobre os envoltórios: vestes, panos, folhas de jornais, caixas, etiquetas, dizeres escritos, datas e outras informações identificadoras. Manchas de sangue.
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• Exame externo: identificar o sexo e examinar cuidadosamente a pele à procura de lesões indicativas de violência. Pesquisar a presença de sangue, induto caseoso e mecônio (sinais de parto recente), o estado do cordão umbilical (seco), seu comprimento, se foi ligado, cortado ou arrancado. Estado da placenta, se presente. Medir o comprimento e pesar o feto, pesquisando o núcleo epifisário de Béclard, para a identificação da idade.
• Vida Extrauterina: afastar a possibilidade de morte intrauterina (mace-ração), reconhecer anomalias, malformações genéticas ou congênitas (anencefalia). Atentar para a possibilidade de lesões post mortem, produzidas pela ação necrofágica de animais predadores (roedores, cães), no caso de fetos abandonados. Procurar por sinais de reação vital nas lesões constatadas e verificar se há bossa serossanguínea, sinal inequívoco de parto. Observar sinais de eventual emprego de fórceps, que podem confundir-se com lesões corporais.
• Exame Interno: efetuar a necrópsia completa, para apurar a causa mortis e verificar sinais de vida extrauterina por meio das domicilias clássicas: pulmonar, gastrointestinal e auricular.
- Docimasia respiratória pulmonar: começa-se pela prova hidrostática de Galeno, após a ligadura da traquéia, dissecação dos órgãos do pescoço e retirada em bloco de traquéia, pulmões, coração e timo. O conjunto é colocado num balde cheio de água. Depois, sucessivamente, colocam-se na água e observam-se: cada pulmão, lobos pulmonares, fragmentos cortados de lobos e pequenos pedaços de parênquima pulmonar, após espremê-los, observando se flutuam ou afundam. Quando não há putrefação e ocorre flutuação em todos os tempos da perícia, há indicação de respiração. Quando há flutuação – em alguns tempos e em outros não –, houve respiração parcial. Se em nenhum momento ocorre flutuação, significa que não houve respiração. Levar em conta as causas de erro: respiração intra utero ou vaginal, atelectasia secundária às asfixias, e putrefação. Colher material para exame histológico (anectasia, patologia pulmonar, avaliação do tipo histológico pulmonar).
- Docimasia gastrintestinal de Breslau: colocar ligaduras duplas nos seguintes níveis: cárdia, piloro, íleo, terminal e sigmóide-reto, retirando o conjunto, em bloco, e submetendo-o à prova de flutuação na água. Depois, dividir o conjunto ao nível das ligaduras e observar se há
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flutuação. A interpretação é similar à da prova de Galeno. Abrir sistematicamente o estômago à procura de leite, a fim de provar se houve deglutição, prova de certeza de vida extrauterina.
- Docimasia auricular de Wreden-Wendt-Gelé: realizá-la somente quando se dispõe apenas da cabeça, expondo as membranas timpânicas depois da secção dos pavilhões auriculares e dos condutos auditivos externos, rente ao plano ósseo, puncionando-as sob água, com bisturi ou com agulha e seringa, para investigar a presença de ar no ouvido médio (ar deglutido, aí presente, através da tuba faringotimpânica ou trompa de Eustáquio).
• Pesquisa de roturas na tenda do cerebelo (morte devida a parto distócico). Abertura do crânio em “forma de cesta”, para exposição da foice do cérebro e da tenda do cerebelo, após a incisão bimastóidea, descolamento e rebatimento do couro cabeludo. Praticar com tesoura, paralelamente à linha mediana, de cada lado, a secção das porções membranosas dos ossos do crânio correspondentes à sutura sagital, contornando lateralmente os hemisférios cerebrais, de modo a retirar duas hemicalotas e deixar uma alça sobre o seio longitudinal, sem lesá-lo.
• Completar a autópsia conforme a técnica empregada em adultos, para apurar a causa mortis.
• Esquematizar as lesões e achados e fotografá-los para complementação e ilustração, do laudo pericial.
2. Necrópsia de crianças maltratadas ou negligenciadas
Tendo em conta a possibilidade, em crianças, de morte violenta, principalmente pela síndrome do bebê espancado (“SIBE”), ou sob outras formas de tortura ou agressão, inclusive sexual, bem como negligência por sonegação de alimento, TEIXEIRA (1982-1983) propõe observar o seguinte roteiro e checklist em necrópsias de crianças suspeitas de maus-tratos, negligência ou violência sexual:
• Anotar idade, peso, estatura, estado de nutrição, cuidados com higiene corporal e de vestuário.
• Proceder a minucioso exame externo, anotando lesões, como as mencionadas nos itens seguintes, que indicam “SIBE”:
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Equimoses múltiplas (espectro equimótico) em várias partes do corpo (membros, tórax, abdome), ou de natureza e localização esquisitas (e.g., regiões orbitárias, nos genitais).
- Hematomas ou deformidades de membros, cujas características podem indicar fraturas recentes ou antigas.
- Feridas infectadas ou cicatrizes, especialmente se indicarem o instrumento lesivo (marca em alça = fio dobrado; marcas em círculo = dentadas ou mordeduras etc.).
- Queimaduras suspeitas, como as de natureza “disciplinar”, por escaldamento em água fervendo ou objeto aquecido (ferro elétrico), cigarro ou eletricidade (plug), que podem reproduzir aspectos típicos.
- Lesões em regiões habitualmente pouco examinadas e/ou ocultas pelo vestuário: contusões de lábios, de frênulo labial, de gengivas, às vezes com avulsão de dentes; de couro cabeludo, regiões glúteas, órgãos genitais, palmas das mãos e plantas dos pés.
• Radiografar o corpo inteiro antes da autópsia, nos casos de suspeita de “SIBE”. O quadro radiográfico é ab solutamente típico.
• Efetuar completa e minuciosa autópsia, observando em favor de “SIBE”:
- Equimoses internas, no couro cabeludo ou gálea. Hematoma subgaleal sugere violenta tração manual do couro cabeludo.
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