O Modo ou Maneira da Morte

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas131-145

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Introdução

Convencionalmente, designa-se como maneira da morte o modo ou a forma mediante a qual age o agente responsável pela causa da morte. A importância de seu estudo é indiscutível, justamente porque influencia na diagnose jurídica da causa da morte.

Com efeito, distingue-se assim entre a morte natural, quando esta é determinada (e.g., por uma doença), e a morte violenta ou morte não natural, toda vez que a sua causa seja um traumatismo ou uma lesão, de origem homicida, suicida ou mesmo acidental. Pouco importa, no caso, que o decesso tenha ocorrido imediatamente ou depois de certo tempo, por vezes até dias, semanas ou meses, a contar do início do processo que levou ao óbito. Baste poder estabelecer a sequência evolutiva ininterrupta entre o trauma e o óbito, para que se estabeleça o nexo de causalidade eficiente.

Essa distinção é de extrema importância, pois se a morte for natural não haverá responsabilidades criminais ou civis a apurar.

No caso de morte violenta, incluindo-se nessa rubrica até os óbitos decorrentes de eventos infortunísticos laborais (acidentes do trabalho), sobrevém a necessidade de esclarecer largamente as circunstâncias em que a mesma se deu, principalmente pelas implicações jurídicas, tanto no campo civil quanto no âmbito da legislação acidentária ou previdenciária próprias.

Contudo, os casos que mais requerem a atenção do médico-legista são aqueles em que a morte pode ter sido causada pela própria vítima (suicídio, suicídios a dois e homicídios-suicídios) ou aqueles em que a morte é resultado da ação de terceiros (homicídios, nas suas diversas modalidades).

Diante disso, torna-se importante efetuar um preciso diagnóstico diferencial, de modo a estabelecer o verdadeiro nexo de causalidade entre as ações e os resultados. É nesse momento que se inter-relacionam as múltiplas informações colhidas os dados semiológicos apurados, quer no local, quer sobre a própria vítima.

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Tudo é importante: os antecedentes, a investigação policial, o levantamento do local e do cadáver e o exame necroscópico. Mas, também, tudo deverá ser analisado em conjunto, de modo a avaliar a verossimilhança dos dados, a coerência dos resultados e a consistência das conclusões.

Nessas circunstâncias é preciso estabelecer algumas definições úteis. Assim, entende-se por:

• Homicídio: Morte de um indivíduo em mãos de outro, em forma dolosa, culposa ou preterintencional.

• Suicídio: Morte de um indivíduo pelas lesões que se autoinflige com o objetivo de pôr fim à própria vida.

• Morte acidental: Diz-se daquela que sofre um indivíduo por causas fortuitas e não previsíveis, ou que, se previsíveis, não o foram por ignorância, negligência, imperícia ou imprudência, isto é, por culpa.

Durante as investigações, a existência de uma dessas três modalidades de morte violenta deverá ser cuidadosamente pesquisada, sendo o raciocínio balizado por certos elementos que analisaremos a seguir.

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O exame do local em que o cadáver de uma pessoa é encontrado constitui a pedra angular da investigação. Daí a importância de se preservar esse local, para não prejudicar as pesquisas.

É óbvio que nem todos os casos exigem a presença do legista na cena do evento. Todavia, há situações em que o seu chamado poderá ser útil para que ali, no local, possa avaliar o modo provável do óbito (homicídio, suicídio ou acidente), com base em indícios peculiares. Será, também, a melhor forma possível para se estabelecer uma razoável aproximação da data e horário da morte. O legista, muitas vezes, pode auxiliar na reconstituição do incidente, graças aos aportes médicos ou de ciências afins que poderá fornecer. Há de se levar em consideração que o legista, por força de sua formação, vê uma cena de crime com olhos diferentes daqueles dos peritos criminais, e que as hipóteses que levante no local tanto poderão ajudar nas pesquisas subsequentes como ainda o próprio Juízo, uma vez que o médico-legista poderá ser chamado a prestar esclarecimentos em audiência.

Assim, ao examinar o local do crime, a desordem de móveis, móveis quebrados ou desarranjo de objetos são um forte indício de que no local houve luta, perseguição ou tentativa de fuga, comuns nos homicídios. Todavia, quando citada desordem se limita apenas à proximidade do cadáver, não permite descartar a hipótese de um suicídio e sua provocação durante a fase agônica da vítima.

Outras condições do local, como, por exemplo, fechamento das portas por dentro, calafetamento de portas e janelas, achado de cartas ou bilhetes, encontro de embalagens de medicamentos, copos com restos de bebidas ou soluções, podem ser extremamente úteis para direcionar a pesquisa no sentido de determinada forma de violência, na autoquíria.

A presença de manchas de sangue e outros líquidos orgânicos é de grande interesse, porquanto dados referentes à sua localização, distância em relação ao cadáver, afora sinais de arrasto, que obrigam a pensar na posterior mobilização da vítima, podem trazer subsídios inestimáveis à investigação. De mais a mais, o estudo do grupo sanguíneo das manchas, comparando-o com o grupo sanguíneo da vítima, poderá esclarecer se tal sangue lhe pertence ou é oriundo do homicida, que, eventualmente, pode ter sido ferido durante o ato.

As manchas de esperma, em geral, orientam no sentido de se estar diante de um crime de conotação erótica. Inobstante, em alguns casos de asfixia não é raro a ejaculação tardia da vítima, o que, como é curial, nada tem a ver com violência sexual. Nesses casos, pode ser de interesse averiguar se o tipo de sêmen corresponde ou não ao da vítima, já que isso pode levar a estabelecer diferenças entre suicídio e homicídio.

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A existência de impressões e pegadas pode ter interesse, ao se caracterizar se originárias da vítima ou não. Na segunda hipótese, seu levantamento cuidadoso, por fotografia e/ou por moldagem...

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