Cronotanatognose

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas239-261

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É o capítulo da Tanatologia que estuda os meios de determinar o tempo transcorrido entre a morte e o exame necroscópico.

Como é cediço, tal determinação se baseia nos prazos em que se processam os diversos fenômenos transformativos, destrutivos ou conservadores que podem ser encontrados no cadáver. Todavia, é fácil compreender que a maioria das avaliações possíveis tem apenas valor aproximativo.

Com efeito, todas elas só integram um grande número de variáveis, a maioria das quais dependentes de valores mesológicos zonais, de características do próprio indivíduo, cujo cadáver se pretende examinar, e atreladas a um sem-fim de circunstâncias que influenciam, ora acelerando, ora retardando, ora apenas alterando a marcha natural dos fenômenos cadavéricos.

Desnecessário enfatizar que, quanto maior o tempo escoado entre o óbito e o exame, tanto maior será a dificuldade na determinação precisa do lapso transcorrido, em horas ou dias, desde o decesso.

Diversos calendários tanatológicos ou calendários de cronotanatognose têm sido elaborados, tomando por base as transformações “quod plerumque accidit” nos cadáveres e através das quais é possível uma verificação, ainda que aproximada, do tempo transcorrido.

O quadro a seguir – tomado de ZACHARIAS & ZACHARIAS (1988) – constitui-se, segundo os seus autores, em um dos mais precisos e completos.

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Técnicas cronotanatognósticas

Compreendem a observação de modificações e fenômenos que se instalam progressivamente no cadáver, bem como exames complementares que permitem datar, com relativa precisão dentro de uma faixa temporal, o momento do óbito.

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Estimativa do momento da morte recente

1. Esfriamento do cadáver (“algor mortis”)

O esfriamento do cadáver é um dos fenômenos abióticos imediatos que podem ser utilizados – com grandes ressalvas, e que sói ser útil apenas pela sua praticidade – na estimativa aproximada do momento da morte.

Com efeito, sabe-se que o corpo, uma vez cessadas as funções vitais, passa a perder calor, por diversos mecanismos – convecção, condução, irradiação e evaporação –, à razão de 1,0ºC a 1,5ºC por hora, igualando em termos gerais, a temperatura do ambiente, no máximo, até a 24ª hora após o decesso.

Essa perda calórica segue um curso que pode ser dividido, segundo os autores clássicos baseados em estudos para Europa, em três períodos, a saber:

• nas primeiras 3 horas, à razão de 0,5ºC/h; • de 6 a 8 horas seguintes, em média, 1ºC/h; e • nas 12 horas seguintes, de 0,7ºC a 0,5ºC/h.

BAIMA BOLLONE & PASTORE TROSSELLO (1989) afirmam que, do ponto de vista prático, e até que o cadáver não esteja em equilíbrio térmico com o ambiente, a tomada de temperatura (melhor quando repetida) resulta no método mais preciso para determinar o momento da morte recente.

Não é necessário lembrar que numerosos fatores, como a temperatura ambiente, o arejamento do local, a temperatura do corpo no momento do óbito, o estado nutricional, a camada de panículo adiposo, as vestes que cobrem o cadáver, etc., podem modificar os tempos acima referidos.

2. Rigidez cadavérica (“rigor mortis”)

Também a rigidez cadavérica poderá ser útil para aquilatar o tempo transcorrido desde o óbito, lembrando que, à semelhança do que ocorre com o esfriamento do corpo, muitos são os fatores que podem, ora acelerá-la (frio), ora retardá-la (calor), razão pela qual nunca deverá ser assumida como valor absoluto, mas apenas como orientação.

Algumas regras foram estabelecidas, por diversos autores, para permitir a sua estimativa em relação ao momento da morte:

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a) Regra de Bonnet – A rigidez se inicia logo após a morte, atingindo o seu total desenvolvimento até a 15ª hora, e depois desaparece lentamente. Acaba quando os fenômenos destrutivos, de putrefação, se instalam.

b) Regra de Fávero – O processo se inicia logo na primeira hora e se generaliza após 2 a 3 horas, atingindo o seu máximo depois de 5 a 8 horas.

c) Regra de Niderkorn – Considera-se precoce a rigidez que ocorre até a 3ª hora; é normal entre a 3ª e 6ª horas; diz-se tardia quando sobrevém entre a 6ª e 9ª horas; por fim, chama-se de muito tardia quando ocorre depois da 9ª hora.

3. Manchas de hipóstase (“livor mortis”)

Começam a aparecer sob a forma de um pontilhado (sugilações), cujos elementos coalescem para formar placas de cor variável, dentro das nuanças vermelho-arroxeadas, dependendo da causa mortis. Desaparecem pela compressão, inclusive digital, recurso que serve para diferenciá-las das equimoses, que são são constantes.

Duas regras podem ser usadas a respeito:

a) Quanto ao aparecimento – surgem na primeira meia hora, após o óbito, mas se tornam visíveis apenas entre a 2ª e 3ª horas, sendo que podem não aparecer nas regiões comprimidas.

  1. Quanto à fixação – tornam-se fixas, isto é, não mudam mais de localização quando se muda a posição do cadáver, depois de 6 a 15 horas.

Os livores cadavéricos:

• difíceis de observar nas pessoas melanodermas ou, mesmo, faiodermas; • podem não ser observáveis mesmo em leuco ou xantodermas, quando nessas pessoas o óbito ocorre em condições de anemia aguda após hemorragias maciças; e

• podem observar-se ainda em vida, na fase agônica ou terminal, em pessoas extremamente debilitadas e com hipotensão arterial.

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4. Crescimento dos pelos

Mesmo após a morte, alguns fâneros, como pelos e unhas continuam a crescer. Os primeiros, conforme ALCÂNTARA (1982), crescem à razão de 21 micra por hora, donde que sua medição – desde que se saiba a hora em que o de cujus tenha se barbeado pela última vez – pode ser útil para determinar a hora do óbito.

É evidente que este método, além de um tanto primitivo, não leva em consideração as variações constitucionais e patológicas individuais, bem como o fato de que, como parte da própria rigidez cadavérica, a contração dos músculos eretores do pelo determina uma acentuada protrusão desse fânero.

5. Mobilidade dos espermatozóides

Um método auxiliar para poder identificar a tempo transcorrido desde o óbito, nos cadáveres de sexo masculino, é o resultado da mobilidade e vitalidade dos espermatozóides colhidos nas vias seminais superiores.

6. Nível de potássio no humor vítreo

A quantidade de potássio, avaliada em miliequivalentes por litro, aumenta progressivamente à medida que transcorre o tempo após a morte, sendo que os valores progressivos são confiáveis, ao menos para os climas quentes, apenas nas primeiras 12 horas após o óbito. Contrariamente, em climas frios, a precisão pode estender-se por 24 horas (ADJUTANTIS, 1972).

Assim, foi possível construir uma tabela (ALCÂNTARA, 1982) que permite, a partir das avaliações do teor de potássio no humor vítreo do olhos, calcular o tempo transcorrido desde o decesso:

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7. Alterações oculares

Já foram alvo de estudo, em outras partes deste trabalho, as seguintes:

• midríase;

• tela viscosa da córnea (tela albuminosa da córnea ou tela de Winslow);

• segmentação da coluna sanguínea dos vasos oculares; e

• perda da turgência dos globos oculares (sinal de Stenon-Louis).

Entre nós, RODRIGUES (citado por TEIXEIRA, 1978) aprimorou técnica de tonometria ocular capaz de avaliar essa perda, estabelecendo uma correlação confiável entre a saída de líquido (desidratação) e o tempo transcorrido desde o decesso. Trata-se de uma técnica simples, rápida, de fácil execução e de ínfimo custo.

A tonometria ocular oferece uma margem de erro de apenas uma hora, quando o exame é realizado nas primeiras 24 horas.

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8. Conteúdo Gástrico

O tempo de esvaziamento do estômago varia de indivíduo para indivíduo, em parte pelo tipo dos alimentos ingeridos, em parte pelas idiossincrasias normais ou patológicas de cada pessoa. Destarte, o estudo do conteúdo gástrico do cadáver pode ser de utilidade para se verificar em que estado de digestão se encontram os alimentos.

De fato, as principais substâncias constituintes dos alimentos, bem como os reflexos hormonais autônomos, entre o estômago e o duodeno, são decisivos para apontar o tempo de permanência dos alimentos na câmara

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gástrica. Assim, os glucídios ou hidratos de carbono são os que apresentam uma permanência mais curta e, em contrapartida, os lipídeos, os que oferecem um trânsito mais demorado, sendo certo que as proteínas ocupam um lugar intermediário.

Algumas patologias, tanto do estômago como do duodeno – lesões do plexo de Auerbach, estenoses duodenais pós-ulcerosas etc. –, podem aumentar bastante esse tempo, ao passo que fenômenos como o “dumping” podem diminuí-lo.

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