Algumas reflexões acerca do compêndio de paula baptista com vistas ao cpc/2015

AutorCamilo Zufelato
Páginas27-44
ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA
DO COMPÊNDIO DE PAULA BAPTISTA
COM VISTAS AO CPC/2015
Camilo Zufelato
Doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Mestre em Direito pela Università degli Studi di Roma II – Tor Vergata. Professor de
Direito Processual Civil na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo.
Sumário: 1. Introdução e escopo deste escrito – 2. Francisco de Paula Baptista: Um perso-
nagem de vanguarda – 3. A obra compêndio – 4. As concepções de ação e de processo em
Paula Baptista: a ideia de participação, de contraditório e de contenção do arbítrio – 5. Duas
aplicações da concepção de processo de Paula Baptista à luz do CPC/2015; 5.1. O juiz não
pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não
se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual deva decidir de ofício; 5.2. Razões nais escritas, que serão apresentadas pelo autor e pelo
réu, bem como pelo ministério público, se for o caso de sua intervenção, em prazos sucessivos
de 15 (quinze) dias, assegurada vista dos autos – 6. Uma derradeira reexão.
1. INTRODUÇÃO E ESCOPO DESTE ESCRITO
Muito embora seja desnecessário frisar a importância do estudo em perspecti-
va histórica dos institutos jurídicos para a melhor compreensão crítica das opções
legislativas e soluções jurisprudenciais atuais, parece ser um fato que a doutrina
processual brasileira não costuma dedicar muita atenção à essa dimensão da ciência
jurídica processual, seja em relação à evolução histórica do direito processual em si,
seja em relação à história do direito processual no Brasil – nesta última faceta inclu-
ídos os processualistas, suas obras e a legislação do período.
Salvo exceções, de obras de alta qualidade e relevância que se dedicam à his-
tória do processo civil romano,1 à história do processo civil no Brasil,2 ou obras de
história de certos institutos processuais específ‌icos,3 de modo geral o que se observa
1. Cfr: TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil romano. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2. ed., 2013.
2. ROSA, Eliézer. Fatos da literatura processual civil brasileira. In: Separata de Jurídica, Revista trimestral da
Divisão Jurídica do Instituto do Açúcar e do Álcool, n. 99 e 100. Rio de Janeiro, 1967 e 1967; COSTA, Moacir
Lobo da. Breve notícia histórica do direito processual civil brasileiro e de sua literatura. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1970; DE PAULA, Jônatas Luiz Moreira. História do direito processual brasileiro: das origens lusas
à escola crítica do processo. Barueri: Manole, 2002.
3. V.g., AZEVEDO, Luiz Carlos de. Origem e introdução da apelação no direito lusitano. São Paulo: FIEO, 1976;
BRASILEIRO, Ricardo Adriano Massara. O objeto do processo civil romano clássico. Belo Horizonte: Líder,
2007.
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CAMILO ZUFELATO
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com muita frequência em diversos trabalhos acadêmicos, normalmente na parte
inicial, um escorço histórico do tema que será tratado que, pela superf‌icialidade e
descontextualização que normalmente lhe acometem, além de dispensáveis para os
objetivos do próprio trabalho, criam uma impressão muito negativa em relação à
história do direito processual e seus institutos. Enf‌im, como regra geral há bastante
artif‌icialidade na forma como os trabalhos científ‌icos tratam dos aspectos de história
do processo quando se prestam a fazê-lo.
Somado a isso, há um certo desprezo aos processualistas brasileiros históricos. Ne-
nhum estudioso do processo no Brasil desconhece Chiovenda, Carneluti, Calamandrei
ou Liebman (desconhecer esse último seria uma falha inaceitável, diriam); talvez nem
todos tenham lido as Istituzioni di diritto processuale civile ou os Princìpii di diritto proces-
suale civile, mas ninguém desconhece que são obras fundamentais para se compreender
adequadamente a processualística moderna. Realmente é indispensável conhecer os
clássicos, autores de fato geniais, que sob a inf‌luência da evolução pandectística alemã
do f‌inal do século XIX fundaram a ciência processual como a conhecemos hoje, com
uma inf‌luência que está no DNA da ciência processual brasileira. Mas é preciso mais.
É necessário conhecer e difundir o pensamento processual genuinamente brasileiro,
sobretudo daqueles processualistas históricos pré inf‌luência das escolas científ‌icas eu-
ropeias de processo, com o intuito de ressaltar a originalidade, ou mesmo a adequação
social, que estão contidas nos escritos de nossos processualistas.4
É nesse contexto de estimulo à ref‌lexão da importância do estudo da história do
direito processual civil brasileiro pelos processualistas contemporâneos, que o escopo
deste artigo é resgatar alguns aspectos da maior obra de processo civil genuinamente
brasileiro de todos os tempos, e o maior processualista civil brasileiro do século XIX
e início do século XX. A escolha em analisar o Compêndio, de Paula Baptista, é mo-
vida pela enorme atualidade da obra e ref‌inamento do pensamento científ‌ico do autor,
que fez assertivas há mais de 150 anos que são de uma atualidade impressionante,
as quais considero bastante alinhadas às concepções contemporâneas da doutrina
processual e também da legislação.
Nesse sentido, para estimular a ref‌lexão a partir de questões mais concretas e pontuais,
indico duas regras “inovadoras” – ao menos do ponto de vista de direito processual posi-
tivo – do Código de Processo Civil de 2015, que tem relação com a obra de Paula Baptista.
2. FRANCISCO DE PAULA BAPTISTA: UM PERSONAGEM DE VANGUARDA
Francisco de Paula Baptista nasceu no Recife em 04 de fevereiro de 1811, e fa-
leceu também no Recife em 25 de maio de 1882, com uma vida intelectual intensa e
4. Referencio e reverencio uma iniciativa do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual, sob a coordenação
dos processualistas Paulo Hofmann e Petrônio Calmon, que no ano de 2009 publicou um primeiro volume
de resgate histórico de alguns processualistas denominado Processualistas históricos do Brasil, Volume I, 171
p., sem edição comercial.
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