A arbitragem, a mediação e a conciliação enquanto meios de prevenção e solução de conflitos, e seu manejo no âmbito do poder público

AutorRodolfo de Camargo Mancuso
Páginas689-704
A ARBITRAGEM, A MEDIAÇÃO E A
CONCILIAÇÃO ENQUANTO MEIOS DE
PREVENÇÃO E SOLUÇÃO DE CONFLITOS, E SEU
MANEJO NO ÂMBITO DO PODER PÚBLICO
Rodolfo de Camargo Mancuso
Professor-associado aposentado da FADUSP. Procurador aposentado do Município
de São Paulo.
Sumário: 1. A crescente (e irreversível) tendência à desjudicialização de conitos, superando
o dogma do monopólio estatal de distribuição da justiça – 2. A resistência ao emprego de
meios alternativos para solução de conitos envolvendo interesses indisponíveis, inclusive
os que concernem ao poder público – 3. A conciliação, a mediação e a arbitragem como
meios adequados à prevenção e solução de conitos envolvendo interesses indisponíveis e/
ou o poder público.
1. A CRESCENTE (E IRREVERSÍVEL) TENDÊNCIA À DESJUDICIALIZAÇÃO DE
CONFLITOS, SUPERANDO O DOGMA DO MONOPÓLIO ESTATAL DE
DISTRIBUIÇÃO DA JUSTIÇA
A tradicional acepção do acesso à Justiça, centrada no inciso XXXV do art.
da CF (“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”) elevava esse direito fundamental a uma sorte de cláusula pétrea, o que, ao
interno da coletividade resultava num incentivo à judicialização de todo e qualquer
interesse contrariado e insatisfeito, em detrimento de meios e modos outros, de per-
f‌il suasório, a par da arbitragem, arriscando, no limite, converter o direito de ação
em...dever de ação ! Ao propósito, já escrevemos em outra sede: “(...) ao contrário
do que a concepção irrealista e ufanista do acesso à Justiça possa sugerir, a prestação
jurisdicional do Estado não mais pode se apresentar em registro monopolístico, nem
tampouco como ‘oferta imediata’, def‌lagrada em ligação direta com a controvérsia,
sem um prévio estágio perante certos agentes, órgãos e instâncias com aptidão para
resolvê-la em modo justo e tempestivo”. 1
Ao longo do tempo, a leitura exacerbada do que se contém na garantia de acesso
à Justiça – e a práxis judiciária daí resultante – foi dando ensejo a certas externalidades
negativas, podendo ser listadas: ( i ) o in put excessivo de demandas, levando ao con-
gestionamento da pauta do Poder Judiciário, def‌lagrando verdadeira crise numérica
1. Acesso à Justiça – condicionantes legítimas e ilegítimas, 2ª ed., São Paulo: Thomson Reuters – Revista dos
Tribunais, 2.015, p. 358.
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de processos, tudo a conf‌igurar um estoque quase inadministrável, informando o
CNJ, ao propósito, no boletim “Justiça em Números”, divulgado em 2.017, ano-base
2.016: “Durante o ano de 2016, ingressaram 29, 4 milhões de processos e foram bai-
xados 29,4milhões. Um crescimento em relação ao ano anterior na ordem de 5,6%
e 2,7% respectivamente. Mesmo tendo baixado praticamente o mesmo quantitativo
ingressado, com Índice de Atendimento à Demanda na ordem de 100,3%, o estoque
de processos cresceu em 2,7 milhões, ou seja, em 3,6%, e chegou ao f‌inal do ano de
2016 com 70,7 milhões de processos em tramitação aguardando alguma solução de-
f‌initiva”; 2 ( ii ) a excessiva dilação temporal do processo judicial, em que pese a diretriz
da duração razoável dos processos (CF, art. 5º, LXXVIII), embora se deva reconhecer
que o novo CPC (Lei 13.105/2.015) se empenha em incentivar a aceleração dos
trâmites, por exemplo ao incluir expressamente no conteúdo ocupacional do juiz o
poder-dever de “velar pela duração razoável do processo” (art. 139, II), ou quando
o instrui a designar audiência de instrução e julgamento “quando necessário” (art.
357, V), ou ainda quando reprime condutas de f‌inalidade protelatória (art. 80, VII;
art. 1.026, § 3º); ( iii ) o fomento da contenciosidade ao interno da sociedade, em detri-
mento dos meios suasórios de prevenção e resolução de conf‌litos, assim insuf‌lando a
judicialização, como se fora o processo judicial a única saída para os conf‌litos emer-
gentes na vida em sociedade, e como se a ação judicial fora uma panaceia capaz de
ofertar resposta satisfatória em todos os casos, sob uma boa equação custo-benefício;
( iv ) a oferta de respostas judiciárias massivas e repetitivas, a que se vem prestando o
Judiciário, premido pela demanda excessiva, com a agravante de que, no esforço de
atendê-la de algum modo, incide no vezo de ofertar mais do mesmo, em detrimento
da vera qualidade que se espera da prestação jurisdicional, a qual, conforme af‌irma-
mos em outra sede, que deve revestir-se de “seis atributos: justa, jurídica, econômica,
tempestiva, razoavelmente previsível, com aptidão para promover a efetiva e concreta
satisfação do direito, valor ou bem da vida reconhecidos no julgado”. 3
Em verdade, o que interessa para o jurisdicionado – e para a coletividade como
um todo – é que as controvérsias venham compostas em modo justo, tempestivo e
tecnicamente consistente, e isso, não necessariamente pela intercessão do Estado-
juiz, mas também – e em certos casos até preferencialmente – por outros meios e
modos resolutórios, o que é particularmente verdadeiro quando se trata dos chamados
conf‌litos multiplexos, bastante ocorrentes na experiência contemporânea, nos quais
o objeto litigioso não se circunscreve à crise propriamente jurídica, mas se estende
por tópicos que relevam de outras áreas, sob as rubricas sócio-político-econômicas.
Em casos que tais, verif‌ica-se que o processo judicial, por conta de operar sob um
2. www.cnj.jus.br, Brasília, 2.017, p. 65 do texto impresso. Comentando dados desse informe do CNJ o jornal
O Estado de São Paulo af‌irma que um “indicativo de que o Judiciário continua apresentando as velhas def‌i-
ciências de sempre – como altas taxas de congestionamento, falta de agilidade das sentenças e dif‌iculdade
de localizar os devedores e identif‌icar bens a serem penhorados – está no percentual de ações julgadas em
caráter def‌initivo, considerado baixo pelos técnicos do CNJ. Dos 109,1 milhões de processos que tramitaram
na Justiça em 2016, só 27% foram solucionados”. (Editorial “A Justiça em Números”, cad.A-3, 11.09.2017).
3. Acesso à Justiça..., 2ª ed., cit., p. 398.
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